Abrindo-se a Constituição, logo em seu primeiro artigo,
lê-se que a cidadania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Por conseguinte, falar sobre cidadania é dissertar acerca
de um dos alicerces da nossa República Federativa. O que é ser cidadão?
"Ser cidadão é ter direito à vida, à
liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos
civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter
direitos políticos. Os direitos civis e
políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que
garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação,
ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila"
(PINSKY, Jaime; PINKSY, Carla Bassanezi.História da Cidadania. 4 ed. São Paulo:
Contexto, 2008, p. 9)
Depreende-se que ser cidadão não é apenas votar. Por sinal, a
amplitude do conceito de cidadania é cada vez maior. Nessa esteira,
precisas são as palavras de Manoel Jorge e Silva Neto:
"O conteúdo jurídico tradicional da
expressão ´cidadania` reconduz ao exercício do direito político ativo, ou seja,
o de eleger representantes para o parlamento ou os detentores dos cargos de
chefia do Poder Executivo federal, estadual e municipal.
(...)
Entretanto, há mais espaço para o acolhimento
da restritiva acepção do termo ´cidadania`, principalmente porque a sua
inclusão como fundamento do Estado brasileiro permite ampliar o seu espectro,
compreendendo, a partir da Constituição de 1988, duas realidade que, malgrado
guardem alguma semelhança, não devem ser objeto de identificação absoluta:
a)
cidadania em sentido estrito; e
b)
cidadania em sentido amplo
A
primeira corresponde à antedita fruição do direito político ativo.
Já
a segunda comporta desdobramentos que se afinam propriamente ao Estado
Democrático de Direito.
Consagrar
o fundamento referente à cidadania em sentido amplo é vincular o Estado à
obrigação de destinar aos indivíduos direitos e garantias fundamentais, mui
especialmente aqueles relacionados a direitos sociais.
Então,
isso quer dizer que o reconhecimento da
cidadania em um sistema político está na razão direta da sua capacidade de
garantir às pessoas o direito à liberdade, à igualdade substancial, à vida, à
incolumidade física – direitos criados pelo constitucionalismo clássico -, mas,
sobretudo, os atinentes à educação, à saúde, ao trabalho - , enfim todos os
direitos de caráter prestacional -, além, é claro, como não poderia deixar de
ser, dos direitos políticos.
(...)
Igualmente
admitindo a amplitude do Princípio Fundamental, verbera Calmon de Passos que
´(...) ser cidadão plenamente significa poder de participação efetiva na vida
política e participação com preservação
do poder de autodeterminação pessoal, seja em termos de impor abstenções ao
Estado, seja em termos de lhe exigir prestações´ “ (SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de
Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo, Saraiva, 2013, p. 313-314).
Infelizmente, numa
sociedade sem direitos sociais, não há que se falar em cidadania. Como
mencionar autodeterminação social sem educação de qualidade, por exemplo? Há um
grande distanciamento do ideal. Quando as normas sociais são rotuladas de
programáticas e distantes da realidade, há um arrefecimento do coração, da
alma.
Com um quadro político
entristecedor, a esperança muitas vezes repousa no Judiciário, no enfrentamento
de questões que caberiam ao Executivo e Legislativo, mas que morreram junto com
a nossa atual política.
Citando os dizeres de Barroso, numa gravação que se tornou famosa, a
política talvez não tenha morrido, encontra-se gravemente enferma. Tem razão o ministro ao asseverar que “o sistema
político não tem o mínimo de legitimidade democrática. Ele deu uma centralidade
imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento. E se tornou um espaço de
corrupção generalizada"
O Art. 205 da Constituição
Federal é cristalino ao prefaciar: “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”.
O dispositivo supramencionado angustia.
O dever da educação é de um Estado falido (por sinal, percebe-se pela História, nunca foi afeito
a assuntos educacionais) e de uma família desestruturada (lares destruídos,
crianças nas ruas).
A tristeza é maior ao observar que
cabe à sociedade, segundo o constituinte, o dever de colaborar com a educação.
Uma sociedade que passa por diversos problemas econômicos, sociais, culturais.
Numa recente pesquisa, aferiu-se que 92% dos brasileiros são incapazes de compreender e
se expressar.[1]
Assim, soa jocoso enfatizar qualquer cidadania no Brasil. Apenas 8 % da população brasileira é capaz de
escrever um e-mail, analisar gráficos e tabelas, argumentar sobre um editorial.
Basta uma célere leitura da pesquisa, conduzida pelo IPM (Instituto Paulo Montenegro) e pela ONG Ação Educativa, para obter-se a triste conclusão.
Por derradeiro, a importância da educação e direitos sociais na obtenção da cidadania também
é mencionada por José Afonso da Silva com lembretes adicionais à dignidade, vontade
popular e soberania[2].
Em tempos tão cruéis, cabe aos 8% dos plenamente alfabetizados participar
ativamente desse processo, numa amplitude máxima.
[1] http://educacao.uol.com.br/noticias/2016/02/29/no-brasil-apenas-8-escapam-do-analfabetismo-funcional.htm
[2] º,AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional
Positivo. 28 ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p. 104 e 105.