14 de jun. de 2010

Do Poder Constituinte

1 - Conceito: É o poder de criar uma nova Constituição, assim como de reformar a vigente. Trata-se da manifestação soberana da vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.
2 - Titularidade: O titular do Poder Constituinte, segundo o abade Emmanuel Sieyès (na obra "O que é o terceiro Estado?"), um dos precursores dessa doutrina, é a nação. Hodiernamente, entretanto, é predominante que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, pois o Estado decorre da soberania popular, cujo conceito é mais abrangente do que o de nação.
3 - Poder Constituinte Originário, de 1º Grau ou Genuíno: Constitui-se em um poder político, supremo e originário, encarregado de criar a primeira Constituição de um Estado (histórico) ou de elaborar um novel texto constitucional (revolucionário). Ao contrário dos atos praticados pelos poderes constituídos, cuja análise ocorre na seara da legalidade (constitucionalmente formal e material), a do poder constituinte deve ser feita no plano da legitimidade.
Esse poder só será legítimo quando exercido por representantes de seu titular (povo ou nação) e nos limites de sua delegação.
O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado.
O Poder Constituinte é inicial, pois sua obra – a Constituição – é a base da ordem jurídica.
O Poder Constituinte é ilimitado e autônomo porque não está limitado pelo direito anterior, não precisando respeitar os limites postos pelo direito positivo antecessor.
O Poder Constituinte também é incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade.
4 - Poder Constituinte Derivado, de 2º Grau, Secundário, Relativo ou Limitado: O Poder Constituinte derivado está inserido no bojo da Constituição, ou seja, decorren de uma regra jurídica de autenticidade constitucional. Por conseguinte, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.
Apresenta as características de derivado, subordinado e condicionado. É derivado porque obtém sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá violar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal.
O poder Constituinte Derivado é dividido em
4.1 - Poder Constituinte Derivado Reformador: trata-se da possibilidade de alterar o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na Constituição Federal e será exercitado por determinados órgãos com caráter representativo. No Brasil, exercitar-se-á pelo Congresso Nacional. Só estará presente nas Constituições rígidas.
O poder derivado reformador, responsável pela modificação das normas constitucionais através de emendas, está disciplinado no art. 60 da Constituição de 1988.
Vejamos as limitações ao Poder Constituinte Derivado Reformador:
a) Limitações Temporais: É uma proibição de reforma de determinados dispositivos durante um certo período de tempo após a promulgação da Constituição, com o escopo de assegurar a sua estabilidade e evitar alterações precipitadas e desnecessárias. A atual Constituição brasileira não prevê esta espécie de limitação para o poder reformador.
b) Limitações Circunstanciais: São normas aplicáveis a situações excepcionais, nas quais a livre vontade do poder reformador possa estar corrompida. Enquanto tais situações permanecerem vigentes, é proibida qualquer modificação no texto constitucional, como ocorre durante o período de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio (art. 60, §1º)
c)Limitações Formais (ou processuais): São limitações concernentes ao órgão competente e ao procedimento a serem observados na modificação da Constituição. Alguns autores a classificam como uma limitação implícita.
As limitações formais subjetivas são relacionadas ao órgão competente, como no caso dos legitimados para propositura de emenda constitucional (art. 60, incisos I a III).
As limitações formais objetivas são referentes ao processo e às formalidades de elaboração da proposta (art. 60, §§2º,3º e 5º)
d) Limitações Materiais (ou substanciais): As limitações materiais podem ser analisadas sob dois prismas.
O primeiro refere-se à possibilidade de inserção de qualquer matéria no texto constitucional (limites inferiores). Tendo em vista a inexistência de matéria constitucional estabelecida pelo legislador constituinte, não existe nenhum impedimento a que uma nova matéria seja inserida no texto constitucional.
No tocante à alteração do conteúdo constitucional, existem alguns limites impostos pelo poder constituinte originário na tentativa de preservar a identidade material da Constituição, impedindo-se a modificação de determinados conteúdos pertencentes ao seu núcleo essencial (limites superiores). Tais limitações exteriorizam-se nas cláusulas pétreas, que podem ser expressas (art. 60, §4º) ou implícitas.
As cláusulas pétreas implíicitas são aquelas que apesar de não estarem previstas textualmente (art. 60, §4º), também não podem ser objeto de alteração. Como exemplo, podemos destacar a proibição de revogação do art. 60 da Constituição da República (Pontes de Miranda, Pinto Ferreira e Nelson Souza Sampaio); a soberania nacional e o pluralismo político (Paulo Bonavides); a imunidade tributária recíproca (STF); e a dignidade da pessoa humana.
4.2 - Poder Constituinte Derivado Decorrente: refere-se à possibilidade que os Estados – membros possuem, em razão de sua autonomia político – administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais, sempre obecendo as regras limitativas estabelecidas pela Constituição Federal. A Constituição da República estabelece que os Estados-membros regem-se pelas constituições que adotarem (art. 25), elaboradas pelas respectivas Assembléias Legislativas com poderes constituintes (ADCT, art. 11).
4.3 - Poder Constituinte Derivado Revisor: A atuação do poder derivado revisor está disciplinada no art. 3º do ADCT.
Há duas observações pertinentes: a) A revisão só poderia ser realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição de 1988. a) A revisão se realiza pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral (ADCT, art. 3º).

10 de jun. de 2010

Eficácia das normas constitucionais

Antes de começarmos a discorrer sobre o presente tópico é bom lembrar que todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica, até mesmo as normas programáticas.
Existem diversos tipos de classíficação da eficácia das normas jurídicas.
Maria Helena Diniz divide as normas constitucionais com relação à sua eficácia em: a) normas supereficazes ou com eficácia absoluta; b) normas com eficácia plena; c) normas com eficácia relativa restringível; d) normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa.
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto classificam as normas constitucionais em normas de aplicação (irregulamentáveis e regulamentáveis) e normas de integração.
Rui Barbosa as classifava em normas auto-executáveis e não executáveis.
Pontes de Miranda distinguia as regras jurídicas em bastantes em si e não bastantes em si.
Uadi Lammêgo Bulos menciona as normas de eficácia exaurida.
Não obstante, a visão que iremos estudar é a visão do Ilustre Professor José Afonso da Silva, haja vista tratar-se da classificação mais conhecida.
José Afonso divide as normas em:
a) Normas constitucionais de eficácia plena. São aquelas de aplicabilidade imediata, direta e integral, não dependendo da edição de qualquer legislação ulterior. Produzem efeitos imediatos e dispensam a edição de normas regulamentadoras. Exemplos: o mandado de injunção, o “habeas data” e o mandado de segurança coletivo foram utilizados mesmo antes da regulamentação por legislação ordinária.

b) Normas constitucionais de eficácia contida. Aquelas de aplicabilidade imediata, mas cujos efeitos podem ser limitados pela legislação infraconstitucional. Produzem efeitos imediatamente, mas estes podem vir a ser limitados pela norma infraconstitucional que vier a ser aprovada. Michel Temer prefere conceituar essas normas como de eficácia redutível ou restringível. Exemplo: a liberdade de profissão assegurada pela Constituição Federal, no art. 5º, XIII, com a seguinte restrição: “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

c) Normas constitucionais de eficácia limitada. Aquelas que dependem de complementação de norma infraconstitucional para que se tornem exeqüíveis. Abrangem as normas declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e as declaratórias de princípios programáticos. As primeiras estabelecem o esquema geral de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos públicos, para que o legislador ordinário as regulamente. Normas programáticas são as que fixam princípios, entidades e metas a serem alcançadas pelos órgãos do Estado. Exemplos: direito à saúde (CF, art. 196), à educação (CF, art.205), à cultura (CF, art. 215) e ao esporte (CF, art. 217). As normas constitucionais programáticas também possuem eficácia jurídica imediata, ainda que mínima, mesmo antes da edição de qualquer legislação complementar, eis que: a) revogam a legislação ordinária que seja contrária aos princípios por elas estabelecidos; b)evitam a edição de leis contendo dispositivos contrários ao mandamento constitucional; e c) institui um dever legislativo para os poderes constituídos, que podem incidir em inconstitucionalidade por omissão caso não elaborem a regulamentação infraconstitucional que possibilite o cumprimento do preceito constitucional.

8 de jun. de 2010

Preâmbulo Constitucional

O palavra preâmbulo deriva do latim "preambulu", sendo a parte introdutória ou preliminar de uma Constituição.

"Nos dizeres de Peter Häberle, os preâmbulos são 'pontes do tempo`, exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e as esperanças que palmilharam o ato constituinte originário" (El Estado Constitucional, Trad. Héctor Fix-Fierro e Rolando Tamayou. México: Universidad Nacional Autónoma de Mexico, p. 276, citado por BULOS, Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito Constitucional, 2007, São Paulo: Saraiva. p. 380).

Alexandre de Moraes assevera que "o preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado. É de tradição em nosso Direito Constitucional e nele devem constar os antecedentes e enquadramento histórico da Constituição, bem como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades." (Direito Constitucional, 21ª ed., 2007, São Paulo: Saraiva. p. 15)

Três são as posições apontadas acerca da natureza jurídica do preâmbulo: a) tese da irrelevância jurídica: o preâmbulo encontra-se no domínio da política, sem relevância jurídica; b) tese da plena eficácia: possui a mesma eficácia jurídica das normas constitucionais, sendo, no entanto, apresentado de forma não articulada; c) tese da relevância jurídica indireta: ponto médio entre as anteriores, já que, muito embora participe “das características jurídicas da Constituição”, não deve ser confundido com o articulado.
A terceira posição é a majoritária no nosso ordenamento jurídico
O Ministro Celso de Mello assevera que “o preâmbulo...não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte...Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-Membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta...Esses princípios sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado – membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição, incidirão na ordem local...” (Julgamento da ADIn 2.076 – AC, rel. Min. Carlos Velloso, 15.08.2002, DJ, 08.08.2003, e Infs. STF ns. 277/2002 e 320/2003, 08 a 12.12.2003.)
O Supremo Tribunal Federal entende que o preâmbulo, por não possuir força cogente nem caráter normativo, não pode prevalecer contra o texto da Constituição, nem servir de parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade (STF – MS (MC) nº 24.645/DF).
Como exemplo, a expressão "sob a proteção de Deus" não é norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa (ADI 2.076 –AC, rel. Min. Carlos Velloso).
Por conseguinte, ao preâmbulo é atribuído o caráter de diretriz interpretativa.

7 de jun. de 2010

Hermenêutica Constitucional

Hoje iremos abordar um tema bastante complexo do Direito Constitucional.
Como bem assevera Uadi Lammêgo Bugos "a interpretação constitucional é, nos nossos dias, dos maiores desafios colocados para o aplicador do Direito e um dos campos mais fecundos e prioritários do labor científico dos juristas. Constitui o coração dos debates constitucionais" (Curso de Direito Constitucional, 2007, São Paulo: Saraiva, p. 235)
Vejamos, primeiramente, alguns métodos utilizados na hermenêutica constitucional:
a)Método jurídico (Forsthoff)
A Constituição é uma espécie de lei e deve ser interpretada por meio dos elementos tradicionais expostos por Friedrich Carl von Savigny (sistemático, histórico, gramatical e lógico), sendo suas particularidades apenas um elemento adicional, inaptas a afastar a utilização das regras clássicas de interpretação. Podemos denominá-lo como método hermenêutico clássico.
Nos termos desse método, o papel do intérprete está adstrito a descobrir o verdadeiro significado da norma, o seu sentido , atribuindo-se enorme importância ao texto da norma.
b) Método tópico - problemático (Theodor Viehweg)
O nome “tópico” vem da palavra "topos", cujo significado é esquema de pensamento, raciocínio, argumentação, ponto de vista, lugar comum.
Existe um processo aberto de argumentação entre vários intérpretes na busca da adequação da norma ao problema concreto.
Possui como ponto de partida um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretaçao um caráter prático.
A Constituição é, dessarte, um sistema aberto de regras e princípios.
Magrado a utilidade no preenchimento de lacunas e na comprovação dos resultados obtidos por outros métodos, sua utilização pode conduzir a um casuísmo ilimitado, causando uma insegurança interpretativa.
c) Método Hermenêutico - concretizador (Konrad Hesse)
A principal diferença em relação ao método anterior é a existência de uma primazia da norma sobre o problema.
Por não haver interpretação constitucional independente de problemas concretos, a interpretação e a aplicação consistem em um processo unitário, razão pela qual são necessários três elementos básicos: a norma que se vai concretizar, a compreensão prévia do intérprete e o problema concreto a resolver.
Possui os seguintes pressupostos interpretativos:
Pressupostos subjetivos: o hermeneuta vale-se de suas pré-compreensões sobre o assunto para chegar ao sentido da norma;
Pressupostos objetivos: o intérprete age como mediador entre a norma e o caso concreto, tendo como “pano de fundo” a realidade social;
Círculo hermenêutico: trata-se do “movimento de ir e vir” do subjetivo para o objetivo, até que o exegeta chegue a uma compreensão da norma.
O fato de partir-se de pré-compreensões do intérprete pode embaralhar não somente a realidade, como o próprio sentido da norma.
d) Método científico - espiritual (Rudolf Smend)
A análise da norma constitucional não se prende na literalidade da norma, mas inicia-se da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição.
Destarte, a Constituição deve ser interpretada como algo dinâmico e que se renova frequentemente, no compasso das modificações da vida social.
Tal método parte do fundamento de que a Constituição deve ser interpretada como um todo, a partir da captação da "realidade social" reinante naquele momento (sociológico) (PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais, p. 111, citado por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008, São Paulo: Método, p. 69). Na busca pelo “espírito da Constituição”, são levados em consideração “fatores extraconstitucionais” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 437-438 citado por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008, São Paulo: Método, p. 69), como o sistema de valores subjacente à Constituição (valorativo), bem como o sentido que ela possui como elemento do processo de integração comunitária (integrativo).
e) Método normativo - estruturante (Friedrich Müller)
A doutrina defensora deste método reconhece a inexistência de identidade entre a norma jurídica e o texto normativo.
Isto porque, o teor literal da norma (elemento literal da doutrina clássica), que será considerado pelo intérprete, deve ser analisado à luz da concretização da norma em sua realidade social.
A norma terá que ser concretizada não só pela atividade do legislador, mas, também, pela atividade do judiciário, da administração, do governo etc.
A interpretação constitucional é apenas um dos elementos, embora um dos mais importantes, razão pela qual não se deve falar em interpretação constitucional, mas sim em concretização.
"Diante da impossibilidade de se isolar a norma da realidade, na concretização da norma o operador deve considerar tanto os elementos resultantes da interpretação do programa normativo (norma propriamente dita), quanto os decorrentes da investigação do domínio normativo (realidade social que o texto intenta conformar), pois ambos fornecem de maneira complementar, ainda que de modo distinto, os componentes necessários à decisão jurídica" (MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 63, citado, não literalmente, por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008, São Paulo: Método, p. 69).
A concretização é feita através de vários elementos: metodológicos; do âmbito da norma e do âmbito do caso; dogmáticos; teóricos; e político-jurídicos.
f) Método da comparação constitucional
"A interpretação dos institutos se implementa mediante comparação nos vários ordenamentos. Estabelece-se, assim, uma comunicação entre as várias Constituições. Partindo-se dos 4 métodos ou elementos desenvolvidos por Savigny (gramatical, lógico, histórico e sistemático), Peter Häberle sustenta a canonização da comparação constitucional como um quinto método de interpretação" (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2008. 12. ed São Paulo: Saraiva, pág. 71. citando, não literalmente, Inocêncio Mártires Coelho. Interpretação Constitucional. 3.ed, 2007, São Paulo, p.94))
Visto os métodos de interpretação constitucional, vejamos alguns princípios hermenêuticos:
a) Princípio da supremacia
A interpretação normativa se lastreia no pressuposto da supremacia jurídica da Constituição, decorrente da noção de superioridade do poder constituinte.
No plano dogmático e positivo, a superioridade constitucional se expressa no estabelecimento da forma (competência, procedimentos etc.) e do conteúdo dos atos normativos infraconstitucionais que, na hipótese de não observância dos critérios constitucionalmente estabelecidos, serão submetidos ao controle de constitucionalidade.
Por ser a Constituição o fundamento de validade de todos os demais atos jurídicos, a validade de tais atos estará condicionada à sua compatibilidade com a Lei Suprema, a qual deverá servir de norte para uma interpretação correta.
b) Princípio de presunção de constitucionalidade das leis
A noção de que os poderes públicos retiram suas competências da Lei Suprema suscita uma presunção, ainda que relativa ("iuris tantum"), de conformidade entre os atos por eles induzidos e a Constituição.
Tal presunção ganha força pelo fato de que, antes de promulgadas, as leis passam por um controle preventivo de constitucionalidade no âmbito dos poderes Legislativo (Comissões de Constituição e Justiça) e Executivo (veto jurídico), o que não impede um ulterior reconhecimento da inconstitucionalidade pelo órgão jurisdicional competente.
A conseqüência prática da aplicação deste princípio é que, no caso de dúvida sobre a constitucionalidade, deve a norma ser considerada válida.
c) Princípio da interpretação conforme a Constituição
Deparando-se com normas infraconstitucionais polissêmicas ou plurissignificativas, deve-se dar prevalência à interpretação que lhes confira um sentido compatível com a norma constitucional.
Esta interpretação visa evitar a anulação de normas dúbias, preservando a autoridade do comando normativo e o princípio da separação dos poderes.
O ato questionado é declarado legítimo, desde que interpretado em conformidade com a Constituição, sendo que o resultado da interpretação é, via de regra, incorporado resumidamente na parte dispositiva da decisão.
"Este princípio encontra dois limites: o sentido claro do texto legal e o fim contemplado pelo legislador, o qual não pode ser substituído pela vontade do juiz" (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 232 citado, não literalmente, por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 75).
"Alguns autores sustentam que, em certos casos, a interpretação conforme a Constituição se equipara a uma declaração de nulidade sem redução de texto, pois, não raro, “a preservação da norma, cuja expressão literal comporta alternativas constitucionais e alternativas inconstitucionais, ocorre mediante restrição das possibilidades de interpretação, reconhecendo-se a validade da lei com a exclusão da interpretação considerada inconstitucional” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 235,citado, não literalmente, por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 76).
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é possível encontrar decisões no sentido de que a interpretação conforme corresponde a um juízo de inconstitucionalidade
d) Princípio da simetria constitucional
O referido princípio obriga a adoção, pela Constituição dos Estados-Membros e pela lei orgânica dos Municípios, dos paradigmas traçados pela Constituição da República, salvo quando esta dispõe em contrário.
O STF tem considerado como normas de observação obrigatória os princípios básicos do processo legislativo federal (arts. 59 a 69) (STF – ADI nº 1434), as regras referentes ao Tribunal de Contas da União (arts. 71 a 73) (STF – ADI nº 1140/RR) e os requisitos básicos para a criação de comissões parlamentares de inquérito (art. 58, §3º) (ADI nº 3.619/SP).
A norma que veda a recondução, na eleição imediatamente subseqüente, para o mesmo cargo das mesas diretoras das Casas Legislativas Federais (art. 57,§4º), por não se constituir em um princípio constitucional estabelecido, não foi considerada de observância obrigatória pelo Supremo Tribunal Federal (STF – ADI nº 793).
e) Princípio da unidade da Constituição
Deve-se interpretar a Constituição de maneira global, como um todo e, assim, as aparentes antinomias deverão ser colocadas de lado.
As normas deverão ser entendidas como preceitos integrados em um sistema unitário de regras e princípios.
"A interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas " (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. 2007. São Paulo: Saraiva pág. 10)
f) Princípio do efeito integrador
Como a Constituição é um elemento do processo de integração comunitária, nas resoluções de problemas jurídico – constitucionais, deve-se dar prioridade aos critérios que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito criador e conservador desta unidade.
g) Princípio da máxima efetividade ou da eficiência
Segundo Alexandre de Moraes, " a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda"(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. 2007. São Paulo: Saraiva pág. 10).
Segundo Pedro Lenza "também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efetividade social" (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 12. ed. 2008. São Paulo: Saraiva, p. 73)
h) Princípio da justeza ou da conformidade social
Conforme Marcelo Novelino, "este princípio atua no sentido de impedir que os órgãos encarregados da interpretação da Constituição, sobretudo o Tribunal Constitucional, cheguem a um resultado contrário ao esquema organizatório-funcional estabelecido por ela" (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 79).
i) Princípio da concordância prática ou harmonização
"Na hipótese de colisão entre bens constitucionalmente protegidos, o intérprete deverá fazer a redução proporcional do âmbito de aplicação de cada um deles, de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício total do outro."(NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 78).
Lenza aduz que "partindo da idéia de unidade da Constituição, os bens jurídicos constitucionalizados deverão coexistir de forma harmônica na hipótese de eventual conflito ou concorrência entre eles, buscando-se, assim, evitar o sacrifício (total) de um princípio em relação a outro em choque. O fundamento da idéia de concordância decorre da inexistência de hierarquia entre os princípios." (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 12. ed. 2008. São Paulo: Saraiva, p. 73)
j) Princípio da força normativa da constituição
"Entre as interpretações possíveis deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia e permanência das normas constitucionais" (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. 2007. São Paulo: Saraiva pág. 11)
k) Princípio da interpretação conforme a Constituição
"Diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas (que possuem mais de uma interpretação), deve-se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional, de onde surgem várias dimensões a serem consideradas, seja pela doutrina (J.J.G. Canotilho, Direito Constitucional, 6.ed, p. 229-230) ou jurisprudência:
- prevalência da constituição: deve-se preferir a interpretação não contrária à Constituição;
- conservação de normas: percebendo o intérprete que uma lei pode ser interpretada em conformidade com a constituição, ele deve assim aplicá-la para evitar a sua não continuiade;
- exclusão da interpretação contra legem: o intérprete não pode contrariar o texto literal e sentido da norma para obter a sua concordância com a Constituição;
- espaço de interpretação: só se admite a interpretação conforme a Constituição se existir um espaço de decisão e, dentre as várias que se chegar, deverá ser aplicada aquela em conformidade com a Constituição;
- rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais: uma vez realizada a interpretação da norma, pelos vários métodos, se o juiz chegar a um resultado contrário à Constituição, em realidade, deverá declarar a inconstitucionalidade da norma, proibindo a sua correção contra a Constituição.
- o intérprete não pode atuar como legislador positivo: não se aceita a interpretação conforme a Constituição quando, pelo processo de hermenêutica, se obtiver uma regra nova e distinta daquela objetivada pelo legislador e com ela contraditória, seja em seu sentido literal ou objetivo. Deve-se, portanto, afastar qualquer interpretação em contradição com os objetivos pretendidos pelo legislador." (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 12. ed. 2008. São Paulo: Saraiva, p. 74-75)
l) Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade
Pedimos, mais uma vez, vênia para citar as lições do eminente professor Marcelo Novelino:
"O princípio da proporcionalidade está ligado, em sua origem, à garantia do devido processo legal, sendo possível constatar nos dias de hoje sua ´nítida europeização`, decorrente ´do cruzamento das várias culturas jurídicas européia`. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 266. Em Portugal, o princípio da proporcionalidade é também denominado de princípio da proibição de excesso, tendo sido consagrado em diversos dispositivos daquela Constituição)
Este postulado atua como uma máxima informadora da aplicação dos princípios e serve de critério para a aferição da legitimidade material de todo e qualquer ato praticado pelos poderes públicos.
No direito anglo-saxão, fala-se em razoabilidade, ao passo que a doutrina germânica prefere proporcionalidade. Por essa razão, o termo empregado pode variar conforme a influência do autor, sem que haja qualquer distinção quanto ao seu conteúdo ou finalidade. No Brasil, apesar de haver quem sustente a existência de uma distinção entre os dois termos (Nesse sentido, Humberto Ávila afirma que se no postulado da proporcionalidade existe uma relação de causalidade entre meio e fim, no da razoabilidade a correlação é entre o critério distintivo usado pela norma e a medida por ela adotada [critério e medida][Teoria dos princípios, p. 102-111]), em geral eles são usados indistintamente.
Apesar de não estar expresso, este postulado pode ser deduzido de outras normas constitucionais. A doutrina germânica o considera inerente ao próprio Estado de direito, sendo parte integrante do sistema constitucional na qualidade de princípio implícito, ao passo que a concepção norte-americana sustenta que a razoabilidade das leis se torna exigível em virtude do caráter substantivo que deve ser atribuído à cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV). No Brasil, este é o entendimento predominante na jurisprudência do STF (RE nº 374.981).
A doutrina alemã, na tentativa de densificar o postulado da proporcionalidade, fez sua divisão em três máximas parciais: adequação, necessidade (ou exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito (Robert Alexy. Teoria de los derechos fundamentales, p. 111 e ss.)
Há uma adequação entre meios e fins, quando as medidas adotadas são aptas para se alcançar os objetivos almejados. Este controle apresenta maiores dificuldades quando se refere à finalidade das leis, em razão da ´liberdade de conformação do legislador`.
A necessidade exige que o meio utilizado para se atingir um determinado fim seja o menos oneroso possível (´princípio da menor ingerência possível`)
A proporcionalidade em sentido estrito está vinculada à verificação do custo-benefício da medida, aferida por meio de uma ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. A interferência na esfera dos direitos dos cidadãos só será justificável se o benefício trazido for maior que o ônus imposto (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 208-209). Neste caso, meio e fim são equacionados mediante um juízo de ponderação, para que sejam pesadas as ´desvantagens do meio em ralação às vantagens do fim` (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 269)." (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 79-81)

1 de jun. de 2010

Elementos das Constituições

A doutrina diverge quanto ao número e a caracterização desses elementos. A visão mais conhecida é a do professor José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª edição, 2007, São Paulo: Saraiva, p. 44-45). Será esta a visão que traremos à baila, “ad litteram”:


“ (1) elementos orgânicos, que se contêm nas normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder e, na atual Constituição, concentram-se, predominantemente, nos Títulos III (Da Organização do Estado), IV (Da Organização dos Poderes e do Sistema de Governo), Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da Segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento, que constituem aspectos da organização e funcionamento do Estado);
(2) elementos limitativos, que se manifestam nas normas que consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais: direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos políticos e democráticos; são denominados limitativos porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a tônica do Estado de Direito; acham-se eles inscritos no Título II de nossa Constituição, sob a rubrica Dos Direitos e Garantias Fundamentais, excetuando-se os Direitos Sociais (Capítulo II), que entram na categoria seguinte;
(3) elementos sócio-ideológicos, consubstanciados nas normas sócio-ideológicas, que revelam o caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista, como as do Capítulo II do Título II, sobre os Direitos Sociais, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e Financeira) e VIII (Da Ordem Social);
(4) elementos de estabilização constitucional, consagrados nas normas destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições democráticas, premunindo os meios e técnicas contra sua alteração e infringência, e são encontrados no art. 102, I, a (ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção nos Estados e Municípios), 59, I, e 60 (Processo de Emendas à Constituição), 102 e 103 (Jurisdição constitucional) e Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, especialmente o Capítulo I, porque os Capítulos II e III, como vimos, integram os elementos orgânicos);
(5) elementos formais de aplicabilidade, são os que se acham consubstanciados na normas que estatuem regras de aplicação das constituições, assim, o preâmbulo, o dispositivo que contém as cláusulas de promulgação e as disposições constitucionais transitórias, assim também a do §1º do art. 5º, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.