8 de jun. de 2010

Preâmbulo Constitucional

O palavra preâmbulo deriva do latim "preambulu", sendo a parte introdutória ou preliminar de uma Constituição.

"Nos dizeres de Peter Häberle, os preâmbulos são 'pontes do tempo`, exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e as esperanças que palmilharam o ato constituinte originário" (El Estado Constitucional, Trad. Héctor Fix-Fierro e Rolando Tamayou. México: Universidad Nacional Autónoma de Mexico, p. 276, citado por BULOS, Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito Constitucional, 2007, São Paulo: Saraiva. p. 380).

Alexandre de Moraes assevera que "o preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado. É de tradição em nosso Direito Constitucional e nele devem constar os antecedentes e enquadramento histórico da Constituição, bem como suas justificativas e seus grandes objetivos e finalidades." (Direito Constitucional, 21ª ed., 2007, São Paulo: Saraiva. p. 15)

Três são as posições apontadas acerca da natureza jurídica do preâmbulo: a) tese da irrelevância jurídica: o preâmbulo encontra-se no domínio da política, sem relevância jurídica; b) tese da plena eficácia: possui a mesma eficácia jurídica das normas constitucionais, sendo, no entanto, apresentado de forma não articulada; c) tese da relevância jurídica indireta: ponto médio entre as anteriores, já que, muito embora participe “das características jurídicas da Constituição”, não deve ser confundido com o articulado.
A terceira posição é a majoritária no nosso ordenamento jurídico
O Ministro Celso de Mello assevera que “o preâmbulo...não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte...Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-Membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta...Esses princípios sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado – membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição, incidirão na ordem local...” (Julgamento da ADIn 2.076 – AC, rel. Min. Carlos Velloso, 15.08.2002, DJ, 08.08.2003, e Infs. STF ns. 277/2002 e 320/2003, 08 a 12.12.2003.)
O Supremo Tribunal Federal entende que o preâmbulo, por não possuir força cogente nem caráter normativo, não pode prevalecer contra o texto da Constituição, nem servir de parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade (STF – MS (MC) nº 24.645/DF).
Como exemplo, a expressão "sob a proteção de Deus" não é norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa (ADI 2.076 –AC, rel. Min. Carlos Velloso).
Por conseguinte, ao preâmbulo é atribuído o caráter de diretriz interpretativa.

7 de jun. de 2010

Hermenêutica Constitucional

Hoje iremos abordar um tema bastante complexo do Direito Constitucional.
Como bem assevera Uadi Lammêgo Bugos "a interpretação constitucional é, nos nossos dias, dos maiores desafios colocados para o aplicador do Direito e um dos campos mais fecundos e prioritários do labor científico dos juristas. Constitui o coração dos debates constitucionais" (Curso de Direito Constitucional, 2007, São Paulo: Saraiva, p. 235)
Vejamos, primeiramente, alguns métodos utilizados na hermenêutica constitucional:
a)Método jurídico (Forsthoff)
A Constituição é uma espécie de lei e deve ser interpretada por meio dos elementos tradicionais expostos por Friedrich Carl von Savigny (sistemático, histórico, gramatical e lógico), sendo suas particularidades apenas um elemento adicional, inaptas a afastar a utilização das regras clássicas de interpretação. Podemos denominá-lo como método hermenêutico clássico.
Nos termos desse método, o papel do intérprete está adstrito a descobrir o verdadeiro significado da norma, o seu sentido , atribuindo-se enorme importância ao texto da norma.
b) Método tópico - problemático (Theodor Viehweg)
O nome “tópico” vem da palavra "topos", cujo significado é esquema de pensamento, raciocínio, argumentação, ponto de vista, lugar comum.
Existe um processo aberto de argumentação entre vários intérpretes na busca da adequação da norma ao problema concreto.
Possui como ponto de partida um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretaçao um caráter prático.
A Constituição é, dessarte, um sistema aberto de regras e princípios.
Magrado a utilidade no preenchimento de lacunas e na comprovação dos resultados obtidos por outros métodos, sua utilização pode conduzir a um casuísmo ilimitado, causando uma insegurança interpretativa.
c) Método Hermenêutico - concretizador (Konrad Hesse)
A principal diferença em relação ao método anterior é a existência de uma primazia da norma sobre o problema.
Por não haver interpretação constitucional independente de problemas concretos, a interpretação e a aplicação consistem em um processo unitário, razão pela qual são necessários três elementos básicos: a norma que se vai concretizar, a compreensão prévia do intérprete e o problema concreto a resolver.
Possui os seguintes pressupostos interpretativos:
Pressupostos subjetivos: o hermeneuta vale-se de suas pré-compreensões sobre o assunto para chegar ao sentido da norma;
Pressupostos objetivos: o intérprete age como mediador entre a norma e o caso concreto, tendo como “pano de fundo” a realidade social;
Círculo hermenêutico: trata-se do “movimento de ir e vir” do subjetivo para o objetivo, até que o exegeta chegue a uma compreensão da norma.
O fato de partir-se de pré-compreensões do intérprete pode embaralhar não somente a realidade, como o próprio sentido da norma.
d) Método científico - espiritual (Rudolf Smend)
A análise da norma constitucional não se prende na literalidade da norma, mas inicia-se da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição.
Destarte, a Constituição deve ser interpretada como algo dinâmico e que se renova frequentemente, no compasso das modificações da vida social.
Tal método parte do fundamento de que a Constituição deve ser interpretada como um todo, a partir da captação da "realidade social" reinante naquele momento (sociológico) (PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais, p. 111, citado por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008, São Paulo: Método, p. 69). Na busca pelo “espírito da Constituição”, são levados em consideração “fatores extraconstitucionais” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 437-438 citado por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008, São Paulo: Método, p. 69), como o sistema de valores subjacente à Constituição (valorativo), bem como o sentido que ela possui como elemento do processo de integração comunitária (integrativo).
e) Método normativo - estruturante (Friedrich Müller)
A doutrina defensora deste método reconhece a inexistência de identidade entre a norma jurídica e o texto normativo.
Isto porque, o teor literal da norma (elemento literal da doutrina clássica), que será considerado pelo intérprete, deve ser analisado à luz da concretização da norma em sua realidade social.
A norma terá que ser concretizada não só pela atividade do legislador, mas, também, pela atividade do judiciário, da administração, do governo etc.
A interpretação constitucional é apenas um dos elementos, embora um dos mais importantes, razão pela qual não se deve falar em interpretação constitucional, mas sim em concretização.
"Diante da impossibilidade de se isolar a norma da realidade, na concretização da norma o operador deve considerar tanto os elementos resultantes da interpretação do programa normativo (norma propriamente dita), quanto os decorrentes da investigação do domínio normativo (realidade social que o texto intenta conformar), pois ambos fornecem de maneira complementar, ainda que de modo distinto, os componentes necessários à decisão jurídica" (MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 63, citado, não literalmente, por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional, 2008, São Paulo: Método, p. 69).
A concretização é feita através de vários elementos: metodológicos; do âmbito da norma e do âmbito do caso; dogmáticos; teóricos; e político-jurídicos.
f) Método da comparação constitucional
"A interpretação dos institutos se implementa mediante comparação nos vários ordenamentos. Estabelece-se, assim, uma comunicação entre as várias Constituições. Partindo-se dos 4 métodos ou elementos desenvolvidos por Savigny (gramatical, lógico, histórico e sistemático), Peter Häberle sustenta a canonização da comparação constitucional como um quinto método de interpretação" (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2008. 12. ed São Paulo: Saraiva, pág. 71. citando, não literalmente, Inocêncio Mártires Coelho. Interpretação Constitucional. 3.ed, 2007, São Paulo, p.94))
Visto os métodos de interpretação constitucional, vejamos alguns princípios hermenêuticos:
a) Princípio da supremacia
A interpretação normativa se lastreia no pressuposto da supremacia jurídica da Constituição, decorrente da noção de superioridade do poder constituinte.
No plano dogmático e positivo, a superioridade constitucional se expressa no estabelecimento da forma (competência, procedimentos etc.) e do conteúdo dos atos normativos infraconstitucionais que, na hipótese de não observância dos critérios constitucionalmente estabelecidos, serão submetidos ao controle de constitucionalidade.
Por ser a Constituição o fundamento de validade de todos os demais atos jurídicos, a validade de tais atos estará condicionada à sua compatibilidade com a Lei Suprema, a qual deverá servir de norte para uma interpretação correta.
b) Princípio de presunção de constitucionalidade das leis
A noção de que os poderes públicos retiram suas competências da Lei Suprema suscita uma presunção, ainda que relativa ("iuris tantum"), de conformidade entre os atos por eles induzidos e a Constituição.
Tal presunção ganha força pelo fato de que, antes de promulgadas, as leis passam por um controle preventivo de constitucionalidade no âmbito dos poderes Legislativo (Comissões de Constituição e Justiça) e Executivo (veto jurídico), o que não impede um ulterior reconhecimento da inconstitucionalidade pelo órgão jurisdicional competente.
A conseqüência prática da aplicação deste princípio é que, no caso de dúvida sobre a constitucionalidade, deve a norma ser considerada válida.
c) Princípio da interpretação conforme a Constituição
Deparando-se com normas infraconstitucionais polissêmicas ou plurissignificativas, deve-se dar prevalência à interpretação que lhes confira um sentido compatível com a norma constitucional.
Esta interpretação visa evitar a anulação de normas dúbias, preservando a autoridade do comando normativo e o princípio da separação dos poderes.
O ato questionado é declarado legítimo, desde que interpretado em conformidade com a Constituição, sendo que o resultado da interpretação é, via de regra, incorporado resumidamente na parte dispositiva da decisão.
"Este princípio encontra dois limites: o sentido claro do texto legal e o fim contemplado pelo legislador, o qual não pode ser substituído pela vontade do juiz" (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 232 citado, não literalmente, por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 75).
"Alguns autores sustentam que, em certos casos, a interpretação conforme a Constituição se equipara a uma declaração de nulidade sem redução de texto, pois, não raro, “a preservação da norma, cuja expressão literal comporta alternativas constitucionais e alternativas inconstitucionais, ocorre mediante restrição das possibilidades de interpretação, reconhecendo-se a validade da lei com a exclusão da interpretação considerada inconstitucional” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 235,citado, não literalmente, por NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 76).
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é possível encontrar decisões no sentido de que a interpretação conforme corresponde a um juízo de inconstitucionalidade
d) Princípio da simetria constitucional
O referido princípio obriga a adoção, pela Constituição dos Estados-Membros e pela lei orgânica dos Municípios, dos paradigmas traçados pela Constituição da República, salvo quando esta dispõe em contrário.
O STF tem considerado como normas de observação obrigatória os princípios básicos do processo legislativo federal (arts. 59 a 69) (STF – ADI nº 1434), as regras referentes ao Tribunal de Contas da União (arts. 71 a 73) (STF – ADI nº 1140/RR) e os requisitos básicos para a criação de comissões parlamentares de inquérito (art. 58, §3º) (ADI nº 3.619/SP).
A norma que veda a recondução, na eleição imediatamente subseqüente, para o mesmo cargo das mesas diretoras das Casas Legislativas Federais (art. 57,§4º), por não se constituir em um princípio constitucional estabelecido, não foi considerada de observância obrigatória pelo Supremo Tribunal Federal (STF – ADI nº 793).
e) Princípio da unidade da Constituição
Deve-se interpretar a Constituição de maneira global, como um todo e, assim, as aparentes antinomias deverão ser colocadas de lado.
As normas deverão ser entendidas como preceitos integrados em um sistema unitário de regras e princípios.
"A interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas " (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. 2007. São Paulo: Saraiva pág. 10)
f) Princípio do efeito integrador
Como a Constituição é um elemento do processo de integração comunitária, nas resoluções de problemas jurídico – constitucionais, deve-se dar prioridade aos critérios que favoreçam a integração política e social, produzindo um efeito criador e conservador desta unidade.
g) Princípio da máxima efetividade ou da eficiência
Segundo Alexandre de Moraes, " a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda"(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. 2007. São Paulo: Saraiva pág. 10).
Segundo Pedro Lenza "também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais deve ser entendido no sentido de a norma constitucional ter a mais ampla efetividade social" (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 12. ed. 2008. São Paulo: Saraiva, p. 73)
h) Princípio da justeza ou da conformidade social
Conforme Marcelo Novelino, "este princípio atua no sentido de impedir que os órgãos encarregados da interpretação da Constituição, sobretudo o Tribunal Constitucional, cheguem a um resultado contrário ao esquema organizatório-funcional estabelecido por ela" (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 79).
i) Princípio da concordância prática ou harmonização
"Na hipótese de colisão entre bens constitucionalmente protegidos, o intérprete deverá fazer a redução proporcional do âmbito de aplicação de cada um deles, de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício total do outro."(NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 78).
Lenza aduz que "partindo da idéia de unidade da Constituição, os bens jurídicos constitucionalizados deverão coexistir de forma harmônica na hipótese de eventual conflito ou concorrência entre eles, buscando-se, assim, evitar o sacrifício (total) de um princípio em relação a outro em choque. O fundamento da idéia de concordância decorre da inexistência de hierarquia entre os princípios." (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 12. ed. 2008. São Paulo: Saraiva, p. 73)
j) Princípio da força normativa da constituição
"Entre as interpretações possíveis deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia e permanência das normas constitucionais" (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. 2007. São Paulo: Saraiva pág. 11)
k) Princípio da interpretação conforme a Constituição
"Diante de normas plurissignificativas ou polissêmicas (que possuem mais de uma interpretação), deve-se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional, de onde surgem várias dimensões a serem consideradas, seja pela doutrina (J.J.G. Canotilho, Direito Constitucional, 6.ed, p. 229-230) ou jurisprudência:
- prevalência da constituição: deve-se preferir a interpretação não contrária à Constituição;
- conservação de normas: percebendo o intérprete que uma lei pode ser interpretada em conformidade com a constituição, ele deve assim aplicá-la para evitar a sua não continuiade;
- exclusão da interpretação contra legem: o intérprete não pode contrariar o texto literal e sentido da norma para obter a sua concordância com a Constituição;
- espaço de interpretação: só se admite a interpretação conforme a Constituição se existir um espaço de decisão e, dentre as várias que se chegar, deverá ser aplicada aquela em conformidade com a Constituição;
- rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais: uma vez realizada a interpretação da norma, pelos vários métodos, se o juiz chegar a um resultado contrário à Constituição, em realidade, deverá declarar a inconstitucionalidade da norma, proibindo a sua correção contra a Constituição.
- o intérprete não pode atuar como legislador positivo: não se aceita a interpretação conforme a Constituição quando, pelo processo de hermenêutica, se obtiver uma regra nova e distinta daquela objetivada pelo legislador e com ela contraditória, seja em seu sentido literal ou objetivo. Deve-se, portanto, afastar qualquer interpretação em contradição com os objetivos pretendidos pelo legislador." (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 12. ed. 2008. São Paulo: Saraiva, p. 74-75)
l) Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade
Pedimos, mais uma vez, vênia para citar as lições do eminente professor Marcelo Novelino:
"O princípio da proporcionalidade está ligado, em sua origem, à garantia do devido processo legal, sendo possível constatar nos dias de hoje sua ´nítida europeização`, decorrente ´do cruzamento das várias culturas jurídicas européia`. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 266. Em Portugal, o princípio da proporcionalidade é também denominado de princípio da proibição de excesso, tendo sido consagrado em diversos dispositivos daquela Constituição)
Este postulado atua como uma máxima informadora da aplicação dos princípios e serve de critério para a aferição da legitimidade material de todo e qualquer ato praticado pelos poderes públicos.
No direito anglo-saxão, fala-se em razoabilidade, ao passo que a doutrina germânica prefere proporcionalidade. Por essa razão, o termo empregado pode variar conforme a influência do autor, sem que haja qualquer distinção quanto ao seu conteúdo ou finalidade. No Brasil, apesar de haver quem sustente a existência de uma distinção entre os dois termos (Nesse sentido, Humberto Ávila afirma que se no postulado da proporcionalidade existe uma relação de causalidade entre meio e fim, no da razoabilidade a correlação é entre o critério distintivo usado pela norma e a medida por ela adotada [critério e medida][Teoria dos princípios, p. 102-111]), em geral eles são usados indistintamente.
Apesar de não estar expresso, este postulado pode ser deduzido de outras normas constitucionais. A doutrina germânica o considera inerente ao próprio Estado de direito, sendo parte integrante do sistema constitucional na qualidade de princípio implícito, ao passo que a concepção norte-americana sustenta que a razoabilidade das leis se torna exigível em virtude do caráter substantivo que deve ser atribuído à cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV). No Brasil, este é o entendimento predominante na jurisprudência do STF (RE nº 374.981).
A doutrina alemã, na tentativa de densificar o postulado da proporcionalidade, fez sua divisão em três máximas parciais: adequação, necessidade (ou exigibilidade) e proporcionalidade em sentido estrito (Robert Alexy. Teoria de los derechos fundamentales, p. 111 e ss.)
Há uma adequação entre meios e fins, quando as medidas adotadas são aptas para se alcançar os objetivos almejados. Este controle apresenta maiores dificuldades quando se refere à finalidade das leis, em razão da ´liberdade de conformação do legislador`.
A necessidade exige que o meio utilizado para se atingir um determinado fim seja o menos oneroso possível (´princípio da menor ingerência possível`)
A proporcionalidade em sentido estrito está vinculada à verificação do custo-benefício da medida, aferida por meio de uma ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. A interferência na esfera dos direitos dos cidadãos só será justificável se o benefício trazido for maior que o ônus imposto (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 208-209). Neste caso, meio e fim são equacionados mediante um juízo de ponderação, para que sejam pesadas as ´desvantagens do meio em ralação às vantagens do fim` (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 269)." (NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2.ed. 2008, São Paulo: Método. p. 79-81)

1 de jun. de 2010

Elementos das Constituições

A doutrina diverge quanto ao número e a caracterização desses elementos. A visão mais conhecida é a do professor José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª edição, 2007, São Paulo: Saraiva, p. 44-45). Será esta a visão que traremos à baila, “ad litteram”:


“ (1) elementos orgânicos, que se contêm nas normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder e, na atual Constituição, concentram-se, predominantemente, nos Títulos III (Da Organização do Estado), IV (Da Organização dos Poderes e do Sistema de Governo), Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da Segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento, que constituem aspectos da organização e funcionamento do Estado);
(2) elementos limitativos, que se manifestam nas normas que consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais: direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos políticos e democráticos; são denominados limitativos porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a tônica do Estado de Direito; acham-se eles inscritos no Título II de nossa Constituição, sob a rubrica Dos Direitos e Garantias Fundamentais, excetuando-se os Direitos Sociais (Capítulo II), que entram na categoria seguinte;
(3) elementos sócio-ideológicos, consubstanciados nas normas sócio-ideológicas, que revelam o caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista, como as do Capítulo II do Título II, sobre os Direitos Sociais, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e Financeira) e VIII (Da Ordem Social);
(4) elementos de estabilização constitucional, consagrados nas normas destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições democráticas, premunindo os meios e técnicas contra sua alteração e infringência, e são encontrados no art. 102, I, a (ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção nos Estados e Municípios), 59, I, e 60 (Processo de Emendas à Constituição), 102 e 103 (Jurisdição constitucional) e Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, especialmente o Capítulo I, porque os Capítulos II e III, como vimos, integram os elementos orgânicos);
(5) elementos formais de aplicabilidade, são os que se acham consubstanciados na normas que estatuem regras de aplicação das constituições, assim, o preâmbulo, o dispositivo que contém as cláusulas de promulgação e as disposições constitucionais transitórias, assim também a do §1º do art. 5º, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

31 de mai. de 2010

Classificação das Constituições


Após a visão sobre concepções da Constituição, abordemos a Classificação das Constituições. José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., 2007, pág. 40) divide a classificação em cinco aspectos (quanto ao conteúdo, quanto à forma, quanto ao modo de elaboração, quanto à origem, quanto à estabilidade). Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 21ª ed.,2007, São Paulo: Saraiva. p. 03) adiciona mais um elemento (quanto à extensão e finalidade). Existem outros critérios que também daremos atenção.

Trata-se de tema constantemente abordado em provas e concursos e de suma importância para uma melhor compreensão do direito constitucional. Ingressemos, portanto, na classificação:

1- Quanto ao conteúdo:

a)Constituição em sentido material: É composta por princípios e regras tendo como objeto os direitos fundamentais, a estruturação do Estado e a organização dos poderes. Trata-se do conjunto de normas estruturais de uma sociedade política.
b)Constituição em sentido formal: Conjunto de normas jurídicas produzidas por um processo mais solene e dificultoso que o ordinário, cujo objetivo é tornar mais difícil a alteração de suas normas. Só é possível nas Constituições escritas e não importa qual o seu conteúdo, desde que sejam elaboradas por um processo legislativo mais complexo.

2 – Quanto à forma:

a) Constituição Escrita: Aquela codificada e sistematizada em um único documento
b) Constituição Não- Escrita: Conjunto de regras cujas não reunidas em um texto solene, mas baseado em leis esparsas, costumes, precedentes judiciais, convenções, tradições. Exemplo Clássico é a Constituição Inglesa.

3 – Quanto ao modo de elaboração:

a) Constituição dogmática: Resultado do labor de um órgão constituinte sistematizador das idéias e princípios fundamentais da teoria política e do direito dominante naquela época.
b)Constituição histórica: Aquela que forma-se lentamente através do tempo, tendo em vista que os usos e costumes vão se indexando à vida estatal.

4 – Quanto à origem:

a)Constituição outorgada: É estabelecida sem a participação popular, através de imposição do poder da época.
b)Constituição promulgada: É aquela constituição resultante do trabalho de uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo.
c)Constituição cesarista: Formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador ou um Ditador. Não há participação popular democrática, pois o intuito é apenas ratificar a vontade do detentor do poder.
d)Constituição pactuada: Derivam de um pacto, ou seja, o poder constituinte originário se concentra nas mãos de mais de um titular.

5 – Quanto à estabilidade:

a)Constituição Rígida: Normas alteráveis por um processo mais solene, dificultoso e complexo que as demais normas ordinárias.
b)Constituição Flexível: Permite a sua modificação nos termos do processo de alteração das leis ordinárias.
c)Constituição Semi-Rígida: Possui uma parte rígida e outra flexível. É um meio termo entre as duas anteriores.
d)Constituição Imutável: É aquela inalterável, trata-se de relíquia histórica.
e) Constituição Fixa: Aquela que não pode ser modificada, senão pelo mesmo Poder Constituinte que a elaborou. Também possui apenas valor histórico

6 – Quanto à extensão e finalidade:

a) Constituição Analítica: Contém matérias que, em virtude de sua natureza, são alheias ao Direito Constitucional propriamente dito. Aborda todos os assuntos entendidos como fundamentais pelos representantes do povo.
b)Constituição Sintética: É aquela que veicula apenas os princípios fundamentais e estruturais do Estado. Em seu texto, em regra, só há matéria constitucional.

7 – Quanto à sistemática:

a) Constituição Codificada: Suas normas encontram-se contidas inteiramente em um único texto, formando um único corpo de lei.
b)Constituição Não-Codificada: Suas normas se encontram esparsas ou fragmentadas em diversos textos.

8 – Quanto à função:

a)Constituição-garantia: É concebida como estatuto organizatório, instrumento de governo, responsável pela definição de competências e regulação de processos (J.J. Gomes Canotilho. Constituição dirigente e vinculação do legislador, p. 12 citado por Marcelo Novelino, Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 52). Além dos princípios materiais estruturantes, a Constituição-garantia estabelece apenas uma liberdade-negativa ou liberdade – impedimento oposta ao Estado, com a principal finalidade de assegurar certos direitos.
b)Constituição programática: Contém normas definidoras de tarefas e programas de ação a serem concretizados pelos poderes públicos. (Marcelo Novelino, Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 53). A “idéia de programa” costuma ser vinculada ao caráter dirigente da Constituição, no aspecto de comandar a ação estatal e impor a realização de metas e programas pelos Poderes Públicos.

9 – Quanto à dogmática:

a)Constituição Ortodoxa: Adota uma só ideologia política.
b)Constituição Eclética: Concilia ideologias opostas


10 – Quanto à essência (Karl Loewenstein)

a) Constituição Normativa: Nela, as relações políticas e os agentes do poder subordinam-se às determinações do seu conteúdo e do seu controle procedimental. Adapta-se perfeitamente ao fato social.
b)Constituição Nominalista: Possui disposições de limitação e controle de dominação política, sem ressonância no sistema de processo real de poder, com insuficiente concretização constitucional.
c)Constituição Semântica: Trata-se de mero reflexo da realidade política, um simples instrumento dos detentores do poder e das elites políticas, inexistindo limitação do seu conteúdo.

11– Demais classificações

a) Constituição- Balanço: Consoante a doutrina soviética inspirada em Lassalle é a Constituição que descreve e registra a organização política estabelecida. Nesses termos, a Constituição registraria um estágio das relações de poder.
b)Constituição Dútil: Classificação proposta por Gustavo Zagrebelsky (El derecho dúctil) na qual a formulação de uma dogmática rígida não pode ser o escopo da ciência constitucional. Nas sociedades pluralistas hodiernas, o papel da Constituição não deve consistir na realização direta de um projeto predeterminado da vida comunitária, cabendo-lhe apenas a tarefa básica de assegurar as condições possíveis para uma vida em comum. O direito constitucional seria equiparado a um conjunto de “materiais de construção”, constituindo a Constituição apenas a plataforma de partida para a construção de um edifício, cuja obra seria resultante das combinações desses materiais feitas pela “política constitucional”. O adjetivo “dútil” é utilizado com o objetivo de expressar a necessidade de a Constituição acompanhar a descentralização do Estado e refletir o pluralismo social, político e econômico. (Gustavo Zagrebelsky, El derecho dúctil, p.13 e 17, citado por Marcelo Novelino, Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 55).
c) Constituição Compromissória: Nas sociedades pluralistas, o procedimento constituinte é resultante de diversos compromissos constitucionais, estabelecidos por meio de barganha, argumentação, convergências e diferenças. Há uma diversidade de pactos subjacentes à elaboração da Constituição, que fazem com que suas normas se caracterizem pela textura aberta, a qual permite a consagração de valores e princípios antagônicos a serem harmonizados pelos operadores do Direito.
d) Constituição Expansiva: Segundo Raul Machado Horta (Direito Constitucional, 4. Ed., p. 207 -210 citado por Pedro Lenza, São Paulo, Saraiva, p.28-29) “ ‘a expansividade da Constituição de 1988, em função dos temas novos e da ampliação conferida a temas permanentes, como no caso dos Direitos e Garantias Fundamentais, pode ser aferida em três planos distintos: o do conteúdo anatômico e estrutural da Constituição, o da comparação constitucional interna e o da comparação constitucional externa’. O primeiro plano destaca a estruturação do texto e sua divisão em títulos, capítulos, seções, subseções, artigos da parte permanente e do ADCT. O segundo plano relaciona a CF/88 com as Constituições brasileiras precedentes, considerando a extensão de cada uma e suas alterações. Segundo o autor, referida comparação interna ‘...registra a dilatação da matéria constitucional e a evolução das Constituições brasileiras no tempo’. Por fim, no terceiro plano, ‘a comparação constitucional externa relaciona a Constituição Federal de 1988 e as Constituições estrangeiras mais extensas...’”

27 de mai. de 2010

Concepções de Constituição

Após este intervalo para a resolução da prova de domingo do MP, voltemos aos conceitos basilares do Direito Constitucional. Já vimos alguns, quais sejam: Direito Constitucional, Constituição e Constitucionalismo.


Agora adentraremos nas concepções de Constituição.


As três concepções sobre Constituição mais comuns (poderíamos denominá-las de concepções clássicas) são:


Concepção Sociológica: Possui como principal defensor Ferdinand Lassale. Para Lassale Constituição é a soma dos fatores reais de poder de uma sociedade. Sempre que colidisse com os fatores reais de poder, não passaria de uma folha de papel, que poderia ser rasgada a qualquer tempo.


Concepção Política: Conforme preceitos de Carl Schmitt, a Constituição seria a decisão política fundamental. Ele estabelece uma distinção entre Normas Efetivamente Constitucionais e Leis Constitucionais. A Constituição trataria somente sobre normas fundamentais (estrutura do Estado e direitos individuais), enquanto as outras normas contidas em seu bojo seriam leis constitucionais.


Concepção Jurídica: Defendida por Hans Kelsen, Constituição é norma pura, resultado da vontade racional do homem e não das leis naturais. Possui dois sentidos: a) Jurídico-positivo: norma positiva suprema, fundamento de validade de todas as demais, encontrando-se no vértice do ordenamento jurídico estatal; b) Lógico – jurídico: Constituição constitui norma fundamental hipotética (plano do suposto), cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da Constituição Jurídico-Positiva.


Uma outra concepção bastante prestigiada é a concepção culturalista. Nesse sentido, a Constituição encerra um “conjunto de normas fundamentais condicionadas pela cultura total, e ao mesmo tempo condicionante desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, e reguladora da existência, estrutura e fins do Estado e do modo de exercício e limites do poder politico” (J.H. Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 77-78, citado por Marcelo Novelino, Direito Constitucional. 2ªed., São Paulo: Método, 2008, p.44).

Existem outras concepções na visão de alguns doutrinadores. Não adentrarei neste mérito, pelo menos por ora, mas quem estiver interessado no assunto pode enviar um e-mail. Uadi Lammêgo Bulos (Curso de Direito Constitucinal, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29-38), por exemplo, cita, além das concepções supramencionadas, as seguintes concepções: constituição jusnaturalista; positivista; marxista; institucionalista; estruturalista; biomédica; compromissória; suave; em branco; plástica; empresarial; oral; como ordem material e aberta da comunidade; dirigente; como instrumento de realização de atividade estatal; subconstitucionais ou subconstituições; como documento regulador do sistema político; como processo público; como meio de resolução de conflitos.