PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL
Mévio, brasileiro, solteiro, estudante universitário, domiciliado na capital do Estado W, requereu o seu
ingresso em programa de bolsas financiado pelo Governo Federal, estando matriculado em Universidade
particular. Após apresentar a documentação exigida, é surpreendido com a negativa do órgão federal
competente, que aduz o não preenchimento de requisitos legais. Entre eles, está a exigência de pertencer
a determinada etnia, uma vez que o programa é exclusivo de inclusão social para integrantes de grupo
étnico descrito no edital, podendo, ao arbítrio da Administração, ocorrer integração de outras pessoas,
caso ocorra saldo no orçamento do programa. Informa, ainda, que existe saldo financeiro e que, por isso, o
seu requerimento ficará no aguardo do prazo estabelecido em regulamento. O referido prazo não consta
na lei que instituiu o programa, e o referido ato normativo também não especificou a limitação do
financiamento para grupos étnicos. Com base na negativa da Administração Federal, a matrícula na
Universidade particular ficou suspensa, prejudicando a continuação do curso superior. O valor da
mensalidade por ano corresponde a R$ 20.000,00, sendo o curso de quatro anos de duração. O estudante
pretende produzir provas de toda a espécie, receoso de que somente a prova documental não seja
suficiente para o deslinde da causa. Isso foi feito em atendimento à consulta respondida pelo seu
advogado Tício, especialista em Direito Público, que indicou a possibilidade de prova pericial complexa,
bem como depoimentos de pessoas para comprovar a sua necessidade financeira e outros depoimentos
para indicar possíveis beneficiários não incluídos no grupo étnico referido pela Administração. Aduz ainda
que o pleito deve restringir-se no reconhecimento do seu direito constitucional e que eventuais perdas e
danos deveriam ser buscadas em outro momento. Há urgência, diante da proximidade do início do
semestre letivo.
Na qualidade de advogado contratado por Mévio, elabore a peça cabível ao tema, observando: a)
competência do juízo; b) legitimidade ativa e passiva; c) fundamentos de mérito constitucionais e legais
vinculados; d) os requisitos formais da peça inaugural. (Valor: 5,0)
Gabarito comentado pela FGV: O tema envolve, de início, o exame da competência para julgamento da causa que envolve a União Federal e
Universidade particular havendo fatos encadeados que indicam a atuação conjunta dessas pessoas no polo passivo
da demanda, o que indica a competência por atração da Justiça Federal da capital do Estado W, domicílio do autor
(CRFB, art. 109, §2º).
Por outro lado, atuará no polo ativo o estudante Mévio e no polo passivo a União Federal, que negou o
financiamento e a Universidade que suspendeu a matrícula, por força do primeiro ato. Esse litisconsórcio se afigura
necessário para solver a situação do autor, de forma definitiva, condenando ambos os sujeitos passivos, nos limites
das suas responsabilidades.
A petição inicial será obediente ao rito ordinário pela complexidade da questão envolvida e por envolver a
possibilidade de prova pericial complexa.
Quanto aos fundamentos que devem servir de supedâneo para a peça exordial deve o candidato indicar: a) ofensa
ao principio da isonomia pois esse tipo de financiamento não pode beneficiar somente determinado grupo étnico; b)
ofensa ao princípio da legalidade vez que há confronto entre o regulamento e o texto legal; c) ofensa aos princípios
constitucionais da Administração Pública pois o ato da Administração não pode ser arbitrário podendo ser
discricionário. d) ofensa ao direito constitucional à educação.
No caso em exame, o valor da causa corresponderá ao beneficio econômico postulado, que será de 20.000,00 vezes
4, devendo ser fixado em 80.000,00.
Diante da urgência da medida, deverá o autor apresentar requerimento de tutela antecipada caracterizando os
requisitos do art. 273 do CPC.
Alternativamente, aceitando a ideia de que a atitude do novo advogado seria recusar a produção de provas, caberia
mandado de segurança,
QUESTÃO 1:
Com o objetivo de incrementar a arrecadação tributária, projeto de lei estadual, de iniciativa parlamentar,
cria uma gratificação de produtividade em favor dos Fiscais de Rendas que, no exercício de suas
atribuições, alcancem metas previamente estabelecidas. O projeto é aprovado pela Assembleia Legislativa
e, em seguida, encaminhado ao Governador do Estado, que o sanciona.
Com base no cenário acima, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados
e a fundamentação legal pertinente ao caso.
a) Indique a inconstitucionalidade formal que a lei apresenta e informe se a sanção da Chefia do Poder
Executivo teve o condão de saná-la. (Valor: 0,65)
b) Supondo que a lei seja questionada perante o STF por meio de ADI, de que forma poderia o Sindicato
dos Fiscais de Rendas daquele Estado atuar no feito em defesa da lei? Teria legitimidade para interposição
de embargos declaratórios contra a decisão final adotada na ADI? (Valor: 0,60)
Gabarito comentado pela FGV: A inconstitucionalidade formal decorre da não observância das regras de processo legislativo previstas na
Constituição da República, que são, consoante jurisprudência firme do Supremo Tribunal Federal, de
reprodução compulsória pelas Constituições Estaduais, uma vez que corolário do princípio da separação
funcional de poderes. Na situação proposta, o projeto de lei de iniciativa parlamentar vulnera a norma do
artigo 61, §1º, inciso II, alínea “a” da CRFB, aplicável, por simetria, aos Estados-membros. No que tange à
sanção governamental, a jurisprudência do STF é pacífica em reconhecer que a sanção do Governador não
tem o condão de convalidar o vicio de iniciativa, estando superado Enunciado n. 05 daquele Tribunal.
O Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado poderia requerer a sua admissão no feito na qualidade de
amicus curiae, nos termos do artigo 7º, §2º, da Lei 9.868/99. Em sendo deferido o pedido, poderia o
Sindicato manifestar-se por escrito e realizar sustentação oral, mas não poderia interpor recurso, conforme
precedentes do STF.
QUESTÃO 2:
O Tribunal de Contas da União (TCU), acolhendo representação contendo fortes indícios de irregularidades
em procedimento licitatório realizado por entidade submetida à sua fiscalização, determina,
cautelarmente, a suspensão do certame e fixa prazo para que o gestor responsável apresente defesa. Após
regular instrução do processo, o TCU rejeita as razões de defesa, confirma a medida acautelatória e aplica
multa sancionatória ao administrador público responsável pelas irregularidades.
Com base no cenário acima, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados
e a fundamentação legal pertinente ao caso.
a) É juridicamente possível a suspensão cautelar do procedimento licitatório por decisão do TCU? (Valor:
0,65)
b) Supondo que, contra a aplicação da multa sancionatória, não tenha sido interposto qualquer recurso
administrativo, qual é a providência a ser adotada para sua execução? (Valor: 0,60)
Gabarito comentado pela FGV: Quanto à adoção de medidas cautelares pelo Tribunal de Contas da União, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal reconhece a atribuição de índole cautelar às Cortes de Contas, com apoio na teoria dos
poderes implícitos, permitindo a adoção das medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções
institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria
Constituição da República. O leading case na matéria foi o MS 24.510, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento
em 19-11-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004. Além disso, seria um poder implícito decorrente da
competência expressa no artigo 71, IX, da CRFB.
Por sua vez, quanto ao item b, as decisões dos Tribunais de Contas de que resulte aplicação de multa
ostentam eficácia de título executivo extrajudicial (artigo 71, §3º, CRFB) e sua execução compete ao órgão
de representação judicial do ente público beneficiário da condenação, no caso, a Advocacia-Geral da
União.
QUESTÃO 3:
Um fazendeiro descobriu que sua mulher o havia traído com um cidadão de etnia indígena que morava
numa reserva próxima à sua fazenda. No mesmo instante em que tomou ciência do fato, o fazendeiro
dirigiu-se à reserva indígena e disparou três tiros contra o índio, que, no entanto, sobreviveu ao atentado.
Com base nesse cenário, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a
fundamentação legal pertinente ao caso.
a) A quem compete julgar esse caso? (Valor: 0,45)
b) Qual é o fundamento do art. 109, IX, da Constituição da República? (Valor: 0,40)
c) Caso o juiz federal entendesse ser incompetente para julgar esse caso e encaminhasse os autos ao juiz
de direito e este também entendesse ser incompetente, a quem caberia decidir qual o juízo competente?
Por quê? (Valor: 0,40)
Gabarito comentado pela FGV: 1. Por se tratar de crime doloso contra a vida, o caso deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, da justiça
estadual comum. Embora a vítima seja um índio, o caso não está relacionado a disputa de direitos
indígenas, razão pela qual não seria competência da Justiça Federal (art. 109, XI).
2. A atribuição à Justiça Federal da competência para julgar disputas sobre direitos indígenas decorre da
competência atribuída à União Federal para proteção da cultura indígena, seus bens e valores (art. 231,
CRFB). É por esta razão que a competência, nestas hipóteses, será da Justiça Federal, independentemente
do Estado onde o caso tenha ocorrido.
3. A competência, neste caso, será do STJ, pois se trata de conflito negativo de competência entre órgãos
vinculados a tribunais diversos (art. 105, I, d, CRFB).
QUESTÃO 4:
O Presidente da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 5º da lei federal X, de
2005. Essa lei tem sido declarada totalmente inconstitucional pelo STF em reiteradas decisões, todas em
sede de controle difuso.
Com base nesse cenário e à luz da jurisprudência do STF, responda aos itens a seguir, empregando os
argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.
a) O Advogado-Geral da União está obrigado a defender a constitucionalidade da lei X? Explique. (Valor:
0,8)
b) Ao julgar essa ADI, pode o STF declarar a inconstitucionalidade de outro(s) dispositivo(s) da lei X, além
do art. 5º? Explique. (Valor: 0,45)
Gabarito comentado pela FGV: 1. Não. Embora a Constituição determine que o AGU deve defender a constitucionalidade das leis impugnadas
através de ADI, de acordo com o que foi decidido pelo STF na ADI 1616, o AGU está dispensado desta obrigação se a
lei em questão já tiver sido declarada inconstitucional pelo STF através de controle concreto-difuso.
2. Sim, caso haja interdependência do art. 5 com outro dispositivo legal. É a chamada inconstitucionalidade por
arrastamento.
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Leandro Passos