23 de nov. de 2015

Segunda Fase - Direito Constitucional - IX Exame de Ordem

PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL: José, brasileiro, desempregado, domiciliado no Município “ABC”, capital do Estado “X”, chegou a um hospital municipal que não possui Centro de Tratamento Intensivo (CTI) – sentindo fortes dores de cabeça. José aguardou atendimento na fila da emergência pelo período de 12 (doze) horas, durante o qual foi tratado de forma áspera e vexatória pelos servidores do hospital, que, entre outros comportamentos aviltantes, debocharam do fato de José estar de pé há tanto tempo esperando atendimento. Após tamanha espera e sofrimento, o quadro de saúde de José agravou-se e ele entrou em estado de incapacidade absoluta, sem poder locomover-se e sem autodeterminação, momento no qual, enfim, um médico do hospital veio atendê-lo. Adamastor, também desempregado, pai de José, revela que, segundo laudo do médico responsável, seu filho necessita urgentemente ser removido para um hospital que possua CTI, pois José corre risco de sofrer danos irreversíveis à sua saúde e, inclusive, o de morrer. Informa ainda que o médico mencionou a existência de hospitais municipais, estaduais e federais nas proximidades de onde José se encontra internado, todos possuidores de CTI. Ocorre que José e Adamastor são economicamente hipossuficientes, de modo que não possuem condições financeiras de arcar com a remoção para outro hospital público, nem de custear a internação em hospital particular, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. Indignado com todo o ocorrido, e ansioso para preservar a saúde de seu filho, Adamastor o procura para, na qualidade de advogado, identificar e minutar a medida judicial adequada à tutela dos direitos de José em face de todos os entes que possuem hospitais próximos ao local onde José se encontra e que seja levado em consideração o tratamento hostil por ele recebido no hospital municipal. (Valor: 5,0)

Gabarito Comentado pela FGV: A peça a ser elaborada consiste em uma ação condenatória com pedidos de obrigação de fazer e de indenizar. Não cabe mandado de segurança pelas seguintes razões: 1) É inviável a postulação de perdas e danos. 2) Inexistem autoridades coatoras no enunciado. 3) Haveria necessidade de produção de provas testemunhal e pericial para aferição dos danos e do risco de vida. Tendo em vista o pedido no sentido de obter remoção e internação em hospitais municipais, estaduais ou federais próximos, devem integrar o polo passivo o Município ABC, o Estado “X” e a União. Logo, o juízo competente para processar e julgar a demanda será uma das varas federais da seção judiciária de “X”. É importante que o examinando destaque que o autor da ação é José, o qual é representado por seu pai, tendo em vista sua momentânea incapacidade absoluta. O pedido de obrigação de fazer refere-se à remoção de José para hospital que possua CTI, a correspondente internação e o fornecimento de tratamento adequado, em hospital municipal, estadual ou federal, tendo em vista a solidariedade dos entes federativos na prestação de serviços de saúde, com base no Art. 196, da Constituição da República. Diante da extrema urgência do caso, e da possibilidade de dano irreversível, o examinando deverá pleitear a antecipação de tutela, para que seja realizada a imediata internação do autor. O pedido de indenização (exclusivamente em face do Município) refere-se aos danos morais sofridos por José em decorrência da conduta ilícita praticada pelos servidores municipais que trabalham no hospital municipal, com fulcro no § 6º, do Art. 37, da Constituição da República. O enunciado deixa claro que o pai de José procura advogado com o intuito de obter não apenas a remoção de seu filho, mas a reparação por danos morais sofridos no hospital municipal.


QUESTÃO 1: José, em um evento de confraternização na empresa em que trabalha, ouviu de Roberto, alterado pela ingestão de bebida alcoólica, que este detinha um cargo em comissão no Tribunal de Contas da União, ao qual nunca comparecera, exceto para a retirada do contracheque, ao final de cada mês. José se dirige, no dia seguinte, ao Tribunal de Contas da União e solicita cópia dos assentamentos funcionais relativos a Roberto, a fim de instruir uma ação judicial. O pedido administrativo foi dirigido ao Ministro Presidente daquela Corte de Contas, que resolveu negá-lo. Consternado, José impetrou Habeas Data em face do Presidente do Tribunal de Contas da União. Considerando a situação acima descrita, responda justificadamente aos itens a seguir. A) Qual o Juízo ou Tribunal competente para julgamento do Habeas Data impetrado por José? (Valor: 0,40) B) O dispositivo de lei que exige, para impetração do Habeas Data, demonstração da recusa ao acesso às informações, à luz do princípio da inafastabilidade de jurisdição, é constitucional? (Valor: 0,40) C) A pretensão de José, nesse caso, pode ser veiculada por Habeas Data? (Valor: 0,45)

Gabarito Comentado pela FGV: A questão trata do Habeas Data, remédio constitucional destinado a assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, nos termos do Art. 5º, LXXII, da Constituição da República. A. O examinando deve destacar a competência do Supremo Tribunal Federal, conforme previsão expressa do Art. 102, I, “d” da Constituição da República. B. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no Habeas Data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do Habeas Data. Esse é o entendimento de longa data consagrado pelo Supremo Tribunal Federal (RHD 22, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-9-1991, Plenário, DJ de 1º-9-1995) e pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 2). Esse entendimento restou positivado no Art. 8º, § único, da Lei n. 9.507/1997 e vem sendo reafirmado, sempre, pelo STF. (Nesse sentido: HD 87-AgR, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgamento em 25-11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010). C. A pretensão de José não é amparada por Habeas Data, pois o remédio não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, nos termos da alínea “a” do inciso LXXII, do Art. 5º, da CRFB. Sua impetração deve ter por objetivo “assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante.” (Nesse sentido, ainda, jurisprudência STF: HD 87-AgR, Rel. Min. Carmen Lúcia, julgamento em 25-11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010).

QUESTÃO 2 Instituto destinado a dar maior eficiência aos comandos constitucionais, a medida provisória possibilita que, em situações excepcionais, o Presidente da República edite norma com força de Lei Ordinária. A avalanche de medidas provisórias, porém, vem atravancando o trâmite dos projetos de lei, o que motivou nova orientação do então presidente da Câmara dos Deputados: a pauta não fica travada em relação a matérias que não podem, em tese, ser objeto de medida provisória. Em relação ao tema medida provisória, responda, fundamentadamente, aos seguintes itens. A) Quais os limites para sua edição? (Valor: 0,40) B) É possível Constituição Estadual prever edição de medida provisória pelo Governador do Estado? Nesse caso, a norma constitucional estadual poderia estabelecer limites diferentes daqueles previstos na Constituição da República Federativa do Brasil? (Valor: 0,45) C) É possível o controle jurisdicional dos requisitos de relevância e urgência da medida provisória? (Valor: 0,40)

Gabarito Comentado pela FGV: A. A medida provisória encontra limites materiais, estampados no §1º, do Art. 62, da Constituição Federal; limites temporais, encontrados nos §§ 2º e 7º do referido artigo e limites circunstanciais, encontrados no § 10 do aludido dispositivo. B. A resposta é afirmativa quanto à criação, pois a Constituição Estadual poderá criar Medidas Provisórias. Por outro lado, a norma constitucional estadual deverá guardar os mesmos requisitos e limites da norma da Constituição Federal, face ao mandamento da simetria das normas. C. São requisitos indispensáveis às medidas provisórias a relevância e urgência, conforme dispõe o Art. 62, caput da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal, por longa data, entendeu não ser possível o controle de constitucionalidade dos requisitos relevância e urgência, sob pena de violação ao princípio da separação de poderes. Todavia, houve parcial mudança no entendimento da Corte, admitindo o exame jurisdicional do mérito dos requisitos de relevância e urgência na edição de medida provisória em casos excepcionais, em que a ausência desses pressupostos seja evidente, como por exemplo, na abertura de crédito extraordinário para destinar verba para a saúde que já deveria estar inclusa na lei orçamentária anual. 

QUESTÃO 3: A Lei Orgânica do Município “Y”, que integra o Estado “X”, ao dispor sobre ingresso na administração pública municipal, e em observância aos princípios da eficiência e da moralidade, estabeleceu que os cargos, empregos e funções públicas seriam acessíveis aos brasileiros naturais do Estado “X”, que tivessem residência no Município “Y”, e que seriam investidos nos cargos mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão. Contra esse dispositivo da Lei Orgânica foi ajuizada, junto ao Tribunal de Justiça, uma Ação Direta de inconstitucionalidade, nos termos do Art. 125, § 2º da CRFB, alegando violação a dispositivo da Constituição estadual que, basicamente, reproduz o Art. 37 da CRFB. O Tribunal de Justiça conheceu da ação, mas julgou improcedente o pedido, entendendo que, respeitados os limites constitucionais, o Município pode criar regras próprias, no exercício da sua capacidade de auto-organização. A partir do caso apresentado, responda justificadamente aos itens a seguir. A) O Município tem autonomia para criar a regra citada no enunciado, conforme entendeu o Tribunal de Justiça? (Valor: 0,40) B) A ADI estadual pode ter por objeto dispositivo de Lei Orgânica? (Valor: 0,45) C) Dessa decisão do Tribunal de Justiça, cabe Recurso Extraordinário ao STF? (Valor: 0,40)

Gabarito comentado pela FGV: A. Não. O dispositivo da lei orgânica viola o princípio da isonomia (Art. 5º, da CRFB) ou mais especificamente o da isonomia federativa (Art. 19, III, da CRFB), também prevista no Art. 37, I da CRFB. B. Sim. A ADI estadual pode ter por objeto atos normativos estaduais e municipais, incluindo a Lei Orgânica, que deve estar de acordo com a Constituição da República e com a Constituição do respectivo Estado, conforme dispõe o Art. 29, da CRFB. C. Sim. O dispositivo da Constituição estadual violado é norma de reprodução, de modo que, nesses casos, entende o STF que é cabível Recurso Extraordinário.

QUESTÃO 4:  O Brasil assinou tratado internacional, discutido e votado no âmbito da Organização Mundial do Comércio, que regulamentava novas formas de controle sobre o comércio exterior. Ao invés de a função ser exercida pelo Ministério da Fazenda, como preceitua o Art. 237 da Constituição Federal, o texto do tratado veda qualquer possibilidade de controle interno do comércio internacional pelos países signatários. A partir do fato acima, responda aos itens a seguir. A) De acordo com o ordenamento constitucional vigente, a que autoridade ou órgão compete promover a internalização do referido tratado internacional? (Valor: 0,50) B) Uma vez internalizado o tratado em questão, com que hierarquia ele passa a integrar o ordenamento jurídico pátrio? (Valor: 0,25) C) Qual (is) princípio(s) de Interpretação Constitucional deve(m) nortear a resolução do conflito entre o texto do tratado e o texto constitucional? (Valor: 0,50)

Gabarito comentado pela FGV:A) Cabe ao Presidente da República tão somente assinar o documento internacional (Art. 84, VIII), que deve ser submetido ao Congresso Nacional, a quem compete resolver definitivamente sobre Tratados, promovendo a sua internalização, conforme dispõe o Art. 49, inciso I, da Constituição Federal. B) Tratados internacionais que não versam sobre direitos humanos, como o referido na questão, depois de internalizados, ingressam no ordenamento jurídico com status de Lei Ordinária. C) Pelo Princípio da Supremacia da Constituição, conflito entre norma constitucional e norma com hierarquia de Lei Ordinária deve ser resolvido atestando-se a primazia do dispositivo constitucional.

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Leandro Passos