30 de jun. de 2010

Controle de Constitucionalidade - Parte 2

Nesta segunda parte de estudos sobre o Controle de Constitucionalidade, iremos nos focar em como se dão o Controle Difuso e Concentrado no Brasil.
Já foi mencionado que a Constituição adota o controle jurisdicional misto de constitucionalidade, nas formas difusa e concentrada.
Como uma primeira observação é importante citar a cláusula da reserva de plenário (art. 93, XI), ou seja, a declaração de inconstitucionalidade nos tribunais só poderá ser feita pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial. (há a exceção do art. 481 do CPC, quando haja pronunciamento anterior pelo Supremo Tribunal federal ou apreciação anterior da mesma lei ou ato pelo tribunal).
Insta lembrar que a cláusula de reserva de plenário não se aplica à declaração de constitucionalidade, às turmas recursais dos juizados especiais, nem aos juízes singulares.
1 – CONTROLE DIFUSO
Possui esse nome em decorrência da competência atribuída a qualquer órgão do Poder Judiciário para exercê-lo.
O reconhecimento da inconstitucionalidade é apenas incidental, posto que o principal escopo é a proteção de direitos subjetivos. A inconstitucionalidade, nesse caso, pode ser reconhecida até mesmo de ofício.
A declaração de inconstitucionalidade, geralmente, tem efeitos retroativos (“ex tunc”). Não obstante, por questões de segurança jurídica, pode ocorrer uma modulação temporal dos efeitos da decisão, atribuindo-se expressamente efeito “ex nunc” ou “pro futuro”.
a) Recurso Extraordinário
Inserido no art. 102, III, da Constituição Federal, é um mecanismo processual de controle difuso de constitucionalidade, através do qual o recorrente pode submeter ao crivo do STF, causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar algum dos dispositivos constitucionais; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição ou, d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Apenas excepcionalmente o recurso extraordinário pode ser utilizado como instrumento de controle concentrado de constitucionalidade (vide Rcl nº 383/SP, rel. Min. Moreira Alves – 11.06.1992: “Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta”).
b) Suspensão pelo Senado
No controle difuso o Senado poderá suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art. 52, X).
Trata-se de ato discricionário. Porém, caso o Senado decida pela suspensão, esta deverá se ater aos limites da decisão do STF.
A expressão “lei” deve ser interpretada de forma extensiva, como sendo qualquer ato normativo independentemente da esfera de que tenha emanado.
c) Controle difuso e ação civil pública
A ação civil pública pode ser utilizada como instrumento do controle difuso, desde que a declaração de inconstitucionalidade seja apenas a causa de pedir.
2 – CONTROLE CONCENTRADO

Também identificado como controle abstrato, o desiderato principal é assegurar a supremacia da Constituição, independentemente da existência de lesões concretas a direitos subjetivos.
Trata-se de um processo constitucional objetivo, bastante peculiar, podendo ser proposto independentemente da demonstração de um interesse jurídico específico. Possui natureza híbrida (judicial/legislativa), onde nas declarações de inconstitucionalidade com redução de texto o Supremo atua como legislador atípico e negativo.
Existem cinco mecanismos para o controle concentrado de constitucionalidade, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), Representação Interventiva (ADIN Interventiva), ação de inconstitucionalidade por omissão (AIO), ação declaratória de constitucionalidade (ADECON) e argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

a) Competência
A competência concentra-se no Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “a” e art. 102, §1º) quando o parâmetro é a Constituição Federal.
Na esfera estadual, a competência é reservada aos Tribunais de Justiça, onde o parâmetro é a Constituição Estadual (art. 125, §2º, da CF).
b) Objeto
Deve ser analisado sob três enfoques:
-No tocante à sua essência (natureza):
ADECON e ADIN: podem ter por objeto apenas lei ou ato normativo (art. 102, I, “a”), ou seja, atos normativos primários, gerais e abstratos, capazes de inovar no mundo jurídico.
ADPF: Pode ser qualquer ato do poder público, normativo ou não (Lei n. 9.882/99, art. 1º).
-No tocante ao aspecto temporal:
ADIN: leis ou atos normativos posteriores a 05/10/1988.
ADECON: leis ou atos normativos posteriores a 17/03/1993.
ADPF: qualquer ato do poder público, inclusive anteriores à Constituição.
- No que tange ao aspecto espacial:
ADIN: leis e atos normativos elaborados na esfera federal ou estadual (inclusive advindos do Distrito Federal, desde que com conteúdo de norma estadual).
ADECON: leis e atos normativos federais
ADPF: qualquer ato do Poder Público, independentemente da esfera.
c) Parâmetro (“normas de referência”)
ADECON E ADIN: possuem como parâmetro todas as normas formalmente constitucionais, inclusive os princípios implícitos e os tratados internacionais de direitos fundamentais aprovados nos termos do art. 5º,§3º, CF.
ADIN Interventiva: Nos termos do art. 36, III, da Constituição, só cabe esta ação no caso de recusa à execução de lei federal (art. 34, VI) ou violação dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII)
ADIN por Omissão: Apenas os dispositivos constitucionais consubstanciados em normas de eficácia limitada (normas não auto-aplicáveis)
ADPF: Apenas os preceitos fundamentais da Constituição, dentre eles, os direitos e garantias fundamentais, os princípios sensíveis e as cláusulas pétreas (ADPF nº 33/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, 29.10.2003).
d) Legitimidade ativa
A legitimidade ativa é a mesma na ADIN, ADECON (art. 103) e ADPF (Lei nº 9.882/99, art. 2º, I). A única peculiaridade ocorre com a ADIN Interventiva, cuja legitimidade ativa é atribuída exclusivamente ao Procurador – Geral da República.
Alguns legitimados precisam demonstrar pertinência temática entre o ato impugnado e o interesse defendido pela parte. São, portanto, legitimados especiais (Governador de Estado e do Distrito Federal, Mesa da Assembléia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional). Os legitimados universais são o Presidente da República, Mesa da Câmara, Mesa do Senado, Procurador – Geral da República, Conselho Federal da OAB e partido político com representação no Congresso Nacional.
e) Procurador-Geral da República
Será previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade, bem como em todos os processos de competência do STF (art. 103, §1º).
Quando for agente provocador da ação direta, o Procurador Geral da República atuará como “custos legis”, podendo se manifestar contrariamente à inconstitucionalidade argüida na inicial. Entretanto, não poderá desistir da ação.
f) Advogado – Geral da União
Na apreciação da inconstitucionalidade de norma legal ou ato normativo, o STF citará previamente o AGU para defender a norma ou ato impugnado (art. 103,§3º). Tal citação ocorre apenas na ADIN, não se aplicando a nenhuma outra hipótese de controle concentrado.
O art. 103,§3º, lhe atribui uma função especial para atuar como “defensor legis”.
O AGU deverá defender a constitucionalidade, seja o ato de origem federal ou estadual, não lhe competindo opinar ou exercer função fiscalizadora é do Procurador-Geral da República. Apesar disso, não está o AGU obrigado a defender tese jurídica considerada inconstitucional pelo STF (ADI nº 1.616, rel. Min. Maurício Corrêa)
g) Medida Cautelar
Poderá ser concedida (art. 102, I, “p”) na ADECON, ADIN ou ADPF.
O STF não admite a concessão da medida cautelar na ADIN Interventiva e na Ação de Inconstitucionalidade por Omissão.
Na ADECON, a medida cautelar consiste na suspensão de todos os processos que envolvam a aplicação da norma – objeto, produzindo eficácia “erga omnes” e efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário.
Na ADIN, a decisão que a concede é dotada de eficácia “erga omnes” e, por ser precária, produz efeitos “ex nunc”, caso o STF não se pronuncie expressamente a este respeito. O efeito vinculante da liminar se refere aos demais órgãos do Poder Judiciário e a toda Administração Pública, importando na suspensão da vigência da lei questionada e do julgamento dos processos que envolvam sua aplicação.
Em casos excepcionais, o STF poderá conceder-lhe eficácia retroativa (“ex tunc” (art. 11,§1º, Lei n. 9868/99). Em qualquer hipótese, a decisão começará a valer a partir da data de sua publicação. O art. 11,§2º, assevera que, salvo expressa manifestação em outro sentido, a legislação anterior torna-se aplicável. Ocorre o chamado efeito repristinatório tácito.
Na ADPF, a decisão precária terá como efeito suspender a tramitação de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida relacionada com a matéria objeto da argüição, salvo se decorrentes da coisa julgada (art. 5º, §3º da Lei n. 9.882/99).
h) Decisão de mérito
- Limites subjetivos (“eficácia erga omnes” e “efeito vinculante”): A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade produz, a partir de sua publicação, eficácia “erga omnes” (contra todos) e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta e indireta, de todos os entes da federação. A ADIN, ADECON e ADPF possuem efeitos idênticos.
O efeito vinculante da decisão não atinge o próprio STF que, em determinadas circunstâncias, poderá rever suas decisões, nem o legislador que pode elaborar uma nova lei com conteúdo material idêntico.
Caso haja desrespeito à eficácia vinculante autoriza-se o uso da reclamação (art. 102, I, “l”)
- Limites objetivos (“efeito transcendente dos motivos determinantes”): A jurisprudência do STF tem admitido a possibilidade de reconhecimento do fenômeno da “transcendência dos motivos” que embasaram a sua decisão, proclamando que o efeito vinculante se projeta para além do dispositivo, estendendo-se à própria “ratio decidendi”.
- Limites temporais: Tradicionalmente, a decisão que declara a inconstitucionalidade da lei tem efeitos retroativos. (“ex tunc”). Não obstante, há a possibilidade de “modulação dos efeitos temporais” da decisão. Dessarte, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF poderá adotar um efeito “ex nunc” ou “pro futuro”, mediante quorum qualificado de dois terços dos Ministros.
- Efeitos da decisão na ADIN interventiva: Nos termos do art. 36, II, a decisão do STF que julga procedente a ADIN interventiva é pressuposto indispensável para que o Presidente da República decrete a intervenção federal no caso de recusa à execução da lei federal pelo Estado-membro (art. 34, VI) ou na hipótese de uma lei ou ato normativo estadual violarem qualquer dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII).
Apesar da divergência sobre o grau de vinculação do Presidente à decisão do STF, parece-nos tratar de um ato discricionário.
Não se submete a controle político a intervenção nos casos do art. 34, VI e VII. Há a dispensa de apreciação pelo Congresso Nacional e o decreto deverá limitar-se a suspender o ato impugnado, caso essa medida seja suficiente para restabelecer a normalidade. (art. 36, §3º).
- Efeitos da decisão na AIO: A decisão de mérito consiste na ciência, dada ao órgão ou poder competente, para que adote as providências cabíveis. No caso de omissão de um órgão administrativo é fixado um prazo de 30 dias (art. 103, §2º), permitindo-se a responsabilização do Poder Público. Quanto ao Poder Legislativo, não há prazo estipulado (embora haja decisão do STF estipulando prazo de dezoito meses – ADI nº 3.682, Informativo nº 466).

22 de jun. de 2010

Controle de Constitucionalidade - Parte 1

O presente tópico é o último concernente à Teoria Geral da Constituição.
Todos os demais temas da Teoria Geral já foram esboçados em tópicos anteriores (onze tópicos, para ser mais exato) nesse pouco menos de um mês de "blog".
Pela extensão e importância do assunto, será a primeira vez que dividiremos um assunto em duas partes. Nessa primeira parte estudaremos o conceito e fundamento do controle, formas de inconstitucionalidade e formas de controle de constitucionalidade.
Conceito: Controle da constitucionalidade é a verificação da adequação vertical que deve ocorrer entre as normas infraconstitucionais e a Constituição. Trata-se de um exame comparativo entre um ato legislativo ou normativo e a "Lei Maior". Portanto, todo ato legislativo ou normativo que contrariar a Constituição Federal deve ser declarado inconstitucional.
O Controle configura-se no conjunto de órgãos e instrumentos desenvolvidos com o escopo de assegurar a supremacia formal da Constituição.
Fundamento: Encontra-se no conceito de supremacia da Constituição escrita, da existência de uma lei maior que se sobrepõe a todas as demais normas jurídicas existentes. A supremacia é decorrência da própria rigidez das Constituições escritas. Por demandar a norma constitucional um procedimento especial de alteração mais rigoroso que o das normas infraconstitucionais, todos os demais atos legislativos e administrativos são hierarquicamente inferiores. O que estiver em desacordo com a Constituição, ápice de todo o sistema jurídico, deve ser declarado inconstitucional.
Dois requisitos são fundamentais para que o controle de constitucionalidade seja realizado. a) a presença de uma Constituição rígida, da qual resulte a superioridade das normas constitucionais; b) existência de um órgão que efetivamente assegure a supremacia do texto constitucional (no Brasil, o Supremo Tribunal Federal).
Formas de Inconstitucionalidade: Decorre, em sentido estrito, da contrariedade entre uma determinada conduta do Poder Público e um preceito constitucional.
a) Quanto ao tipo de conduta:
-Inconstitucionalidade por ação: decorre de uma conduta positiva contrária a um comando constitucional. O Poder Público age ou edita normas contrárias à Constituição.
-Inconstitucionalidade por omissão: Deriva de uma conduta negativa. Encontra-se nos casos em que não sejam praticados os atos legislativos ou executivos necessários para tornar plenamente aplicáveis as normas constitucionais carentes de legislação regulamentadora.
b) Quanto a norma Constitucional ofendida:
-Inconstitucionalidade formal: Acontece quando o ato é produzido por autoridade incompetente ou em desacordo com as formalidades legais.
-Inconstitucionalidade material: Trata-se da produção de atos legislativos ou normativos que desrespeitem o próprio conteúdo das normas constitucionais.
c) Quanto à extensão:
-Inconstitucionalidade total: atinge uma lei ou ato normativo na íntegra.
-Inconstitucionalidade parcial: atinge apenas alguns dos dispositivos da lei ou ato normativo.
d) Quanto ao momento:
-Inconstitucionalidade originária: Quando a violação ocorre após a vigência da Constituição. Assim, o ato encontra-se viciado desde o início.
-Inconstitucionalidade superveniente: O ato é elaborado, inicialmente, de acordo com a Constituição. Não obstante, em razão da elaboração de uma nova Constituição ou de uma emenda, faz com que ele se torne incompatível (para o STF trata-se de não-recepção que implica em revogação da norma anterior pela Constituição)
e) Quanto ao prisma de apuração:
- Inconstitucionalidade direta ou antecedente: Acontece quando o juízo de inconstitucionalidade resulta do confronto direto entre a norma questionada e a Constituição. Não há ato normativo intermediário.
- Inconstitucionalidade indireta: Quando há uma norma intermediária entre o ato normativo analisado e a Constituição. Se o vício da norma decorre de inconstitucionalidade de outra da qual ela depende, denomina-se inconstitucionalidade consequente. Caso a inconstitucionalidade resulte da violação de uma norma infraconstitucional interposta entre o ato questionado e a Constituição, encontramos uma inconstitucionalidade reflexa ou por via oblíqua.
Formas de Controle de Constitucionalidade: O Controle de Constitucionalidade das leis e atos normativos pode exercido da variadas formas.
a) Quanto ao momento: Pode ser preventivo ou repressivo. Nas duas hipóteses, o exercício poderá ser feito pelo Legislativo, Executivo ou Judiciário.
-Controle Preventivo: Tem por objetivo evitar que ocorra uma lesão à Constituição, podendo ocorrer antes da promulgação ou da emenda à Constituição
-Controle Repressivo (Típico): Tem por escopo garantir a supremacia constitucional, através da invalidação ou não aplicação de leis e atos dos poderes públicos. Só poderá ser exercido após a entrada em vigor da lei ou da emenda, ou seja, após a publicação ou, quando houver, o período de vacância.
b) Quanto à natureza do órgão: Dá-se em conformidade ao órgão encarregado de exercer o controle de constitucionalidade
-Controle político: É exercido por órgão não pertencente ao Poder Judiciário
-Controle judicial, jurisdicional ou judiciário: É realizado pelos integrantes do Poder Judiciário.
-Controle misto: Submete-se certas categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional.
c) Quanto à finalidade do controle:
- Controle concreto (incidental/por via de exceção): Ocorre. quando a constitucionalidade é apreciada em um processo judicial, cujo objetivo é a solução de uma celeuma envolvendo direitos subjetivos.
- Controle abstrato (por via de ação, direta ou principal): É exercido em tese, independentemente de um caso concreto. O objeto da ação é a própria declaração da inconstitucionalidade do ato legislativo ou normativo.
d) Quanto ao tipo de pretensão deduzida em juízo:
-Processo constitucional objetivo: Trata-se do controle que visa principalmente à proteção da ordem constitucional.
-Processo constitucional subjetivo: Trata-se do controle exercido diante de um caso concreto, haja vista sua finalidade precípua: a proteção de direitos subjetivos.
e) Quanto à competência: Classificação de acordo com o órgão jurisdicional competente para o exercício do controle.
-Controle difuso: Exercido por todos os integrantes do Judiciário. Qualquer juiz ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade no caso “sub examine” (Estados Unidos).
-Controle concentrado: Só é exercido por um Tribunal Superior do país ou por uma Corte Constitucional (Alemanha).
O Brasil adota ambos os critérios, ou seja, o controle jurisdicional misto (ou combinado).

16 de jun. de 2010

Nova Constituição e Ordem Jurídica Anterior

Ao estudarmos o presente tema, deparamo-nos com a relação do direito com o passado, presente e futuro.
O Direito Constitucional Intertemporal cuida dos conflitos temporais decorrentes da nova constituição.
Com o ingresso de uma nova Constituição no ordenamento jurídico de um Estado, presencia-se os seguintes fenômenos:
1- Recepção: A legislação infraconstitucional que não for contrária à nova ordem constitucional é por ela recepcionada, admitida como válida. Não seria razoável inutilizar toda a legislação ordinária construída ao longo dos tempos
Dessarte, segundo o fenômeno da recepção, continuam válidos todos os atos legislativos editados na vigência do ordenamento jurídico anterior, sendo recebidos e adaptados à nova ordem jurídica, não precisando serem reeditados, recriados ou refeitos, mediante outra manifestação legislativa.
A legislação infraconstitucional recebe a natureza que a nova ordem constitucional reservou para a matéria (Ex: CTN foi recepcionada como lei complementar, embora tenha sido criada sob a forma de lei ordinária)
2 - Repristinação: Presencia-se o fenômeno da repristinação quando uma lei volta a vigorar, eis que revogada aquela que a revogara. A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 2º,§3º, veda expressamente a repristinação: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. Também não se admite o fenômeno da repristinação no direito constitucional, salvo se houver expressa previsão no texto da nova Constituição. A legislação infraconstitucional revogada pela vigência de uma Constituição não se restaura pelo surgimento de uma nova Lei Maior.
3 - Desconstitucionalização: É o fenômeno segundo o qual as normas da antiga Constituição, desde que compatíveis com a nova sistemática jurídica, permanecem em vigor, mas com a forma de lei infraconstitucional.
Como regra, não existe no Brasil. Porém poderá ser imposta pelo Poder Constituinte Orignário se , expressamente, a requerer.
4 - Recepção material de normas constitucionais: É a persistência de normas constitucionais anteriores que conservam, em caráter secundário, a qualidade anterior de normas constitucionais.
Essas normas são recebidas por prazo determinado, em decorrência de seu caráter precário.
Ex: art. 34, caput e § 1º do ADCT.
5 - Revogação: As leis não recepcionadas pela nova ordem jurídica perdem a sua vigência, por força dos efeitos ab-rogativos do ditame da revogação. Não é necessário preceito revogatório expresso para que sejam assim; Assim, todas as pautas de comportamento desconformes com o novo texto maior saem da ordem jurídica, automaticamente.
A simples manifestação constituinte de primeiro grau concretiza, imediatamente, o ditame da revogação, haja vista que “Lex posterior derogat priori" (lei posterior derroga a anterior).
6 - Constitucionalidade Superveniente: A constitucionalidade superveniente ocorre quando uma norma inconstitucional ao tempo de sua edição, torna-se compatível com a Lei Maior devido à mudança do parâmetro constitucional. Para o STF, tal fenômeno é impossível (STF - RE nº 346.084/PR, rel. Min. Marco Aurélio).
7 - Mutação Constitucional: Trata-se de um processo informal de modificação do conteúdo, sem que ocorra qualquer alteração em seu texto. É o que ocorre com o surgimento de um novo costume constitucional ou quando o STF altera o sentido de uma norma da Constituição por meio da interpretação.
8 - "Vacatio Constitutionis":É o período de tempo entre a publicação de uma nova Constituição e a sua entrada em vigor.

14 de jun. de 2010

Do Poder Constituinte

1 - Conceito: É o poder de criar uma nova Constituição, assim como de reformar a vigente. Trata-se da manifestação soberana da vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.
2 - Titularidade: O titular do Poder Constituinte, segundo o abade Emmanuel Sieyès (na obra "O que é o terceiro Estado?"), um dos precursores dessa doutrina, é a nação. Hodiernamente, entretanto, é predominante que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, pois o Estado decorre da soberania popular, cujo conceito é mais abrangente do que o de nação.
3 - Poder Constituinte Originário, de 1º Grau ou Genuíno: Constitui-se em um poder político, supremo e originário, encarregado de criar a primeira Constituição de um Estado (histórico) ou de elaborar um novel texto constitucional (revolucionário). Ao contrário dos atos praticados pelos poderes constituídos, cuja análise ocorre na seara da legalidade (constitucionalmente formal e material), a do poder constituinte deve ser feita no plano da legitimidade.
Esse poder só será legítimo quando exercido por representantes de seu titular (povo ou nação) e nos limites de sua delegação.
O Poder Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado.
O Poder Constituinte é inicial, pois sua obra – a Constituição – é a base da ordem jurídica.
O Poder Constituinte é ilimitado e autônomo porque não está limitado pelo direito anterior, não precisando respeitar os limites postos pelo direito positivo antecessor.
O Poder Constituinte também é incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade.
4 - Poder Constituinte Derivado, de 2º Grau, Secundário, Relativo ou Limitado: O Poder Constituinte derivado está inserido no bojo da Constituição, ou seja, decorren de uma regra jurídica de autenticidade constitucional. Por conseguinte, conhece limitações constitucionais expressas e implícitas e é passível de controle de constitucionalidade.
Apresenta as características de derivado, subordinado e condicionado. É derivado porque obtém sua força do Poder Constituinte originário; subordinado porque se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá violar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim, condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal.
O poder Constituinte Derivado é dividido em
4.1 - Poder Constituinte Derivado Reformador: trata-se da possibilidade de alterar o texto constitucional, respeitando-se a regulamentação especial prevista na Constituição Federal e será exercitado por determinados órgãos com caráter representativo. No Brasil, exercitar-se-á pelo Congresso Nacional. Só estará presente nas Constituições rígidas.
O poder derivado reformador, responsável pela modificação das normas constitucionais através de emendas, está disciplinado no art. 60 da Constituição de 1988.
Vejamos as limitações ao Poder Constituinte Derivado Reformador:
a) Limitações Temporais: É uma proibição de reforma de determinados dispositivos durante um certo período de tempo após a promulgação da Constituição, com o escopo de assegurar a sua estabilidade e evitar alterações precipitadas e desnecessárias. A atual Constituição brasileira não prevê esta espécie de limitação para o poder reformador.
b) Limitações Circunstanciais: São normas aplicáveis a situações excepcionais, nas quais a livre vontade do poder reformador possa estar corrompida. Enquanto tais situações permanecerem vigentes, é proibida qualquer modificação no texto constitucional, como ocorre durante o período de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio (art. 60, §1º)
c)Limitações Formais (ou processuais): São limitações concernentes ao órgão competente e ao procedimento a serem observados na modificação da Constituição. Alguns autores a classificam como uma limitação implícita.
As limitações formais subjetivas são relacionadas ao órgão competente, como no caso dos legitimados para propositura de emenda constitucional (art. 60, incisos I a III).
As limitações formais objetivas são referentes ao processo e às formalidades de elaboração da proposta (art. 60, §§2º,3º e 5º)
d) Limitações Materiais (ou substanciais): As limitações materiais podem ser analisadas sob dois prismas.
O primeiro refere-se à possibilidade de inserção de qualquer matéria no texto constitucional (limites inferiores). Tendo em vista a inexistência de matéria constitucional estabelecida pelo legislador constituinte, não existe nenhum impedimento a que uma nova matéria seja inserida no texto constitucional.
No tocante à alteração do conteúdo constitucional, existem alguns limites impostos pelo poder constituinte originário na tentativa de preservar a identidade material da Constituição, impedindo-se a modificação de determinados conteúdos pertencentes ao seu núcleo essencial (limites superiores). Tais limitações exteriorizam-se nas cláusulas pétreas, que podem ser expressas (art. 60, §4º) ou implícitas.
As cláusulas pétreas implíicitas são aquelas que apesar de não estarem previstas textualmente (art. 60, §4º), também não podem ser objeto de alteração. Como exemplo, podemos destacar a proibição de revogação do art. 60 da Constituição da República (Pontes de Miranda, Pinto Ferreira e Nelson Souza Sampaio); a soberania nacional e o pluralismo político (Paulo Bonavides); a imunidade tributária recíproca (STF); e a dignidade da pessoa humana.
4.2 - Poder Constituinte Derivado Decorrente: refere-se à possibilidade que os Estados – membros possuem, em razão de sua autonomia político – administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais, sempre obecendo as regras limitativas estabelecidas pela Constituição Federal. A Constituição da República estabelece que os Estados-membros regem-se pelas constituições que adotarem (art. 25), elaboradas pelas respectivas Assembléias Legislativas com poderes constituintes (ADCT, art. 11).
4.3 - Poder Constituinte Derivado Revisor: A atuação do poder derivado revisor está disciplinada no art. 3º do ADCT.
Há duas observações pertinentes: a) A revisão só poderia ser realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição de 1988. a) A revisão se realiza pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral (ADCT, art. 3º).

10 de jun. de 2010

Eficácia das normas constitucionais

Antes de começarmos a discorrer sobre o presente tópico é bom lembrar que todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica, até mesmo as normas programáticas.
Existem diversos tipos de classíficação da eficácia das normas jurídicas.
Maria Helena Diniz divide as normas constitucionais com relação à sua eficácia em: a) normas supereficazes ou com eficácia absoluta; b) normas com eficácia plena; c) normas com eficácia relativa restringível; d) normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa.
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto classificam as normas constitucionais em normas de aplicação (irregulamentáveis e regulamentáveis) e normas de integração.
Rui Barbosa as classifava em normas auto-executáveis e não executáveis.
Pontes de Miranda distinguia as regras jurídicas em bastantes em si e não bastantes em si.
Uadi Lammêgo Bulos menciona as normas de eficácia exaurida.
Não obstante, a visão que iremos estudar é a visão do Ilustre Professor José Afonso da Silva, haja vista tratar-se da classificação mais conhecida.
José Afonso divide as normas em:
a) Normas constitucionais de eficácia plena. São aquelas de aplicabilidade imediata, direta e integral, não dependendo da edição de qualquer legislação ulterior. Produzem efeitos imediatos e dispensam a edição de normas regulamentadoras. Exemplos: o mandado de injunção, o “habeas data” e o mandado de segurança coletivo foram utilizados mesmo antes da regulamentação por legislação ordinária.

b) Normas constitucionais de eficácia contida. Aquelas de aplicabilidade imediata, mas cujos efeitos podem ser limitados pela legislação infraconstitucional. Produzem efeitos imediatamente, mas estes podem vir a ser limitados pela norma infraconstitucional que vier a ser aprovada. Michel Temer prefere conceituar essas normas como de eficácia redutível ou restringível. Exemplo: a liberdade de profissão assegurada pela Constituição Federal, no art. 5º, XIII, com a seguinte restrição: “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

c) Normas constitucionais de eficácia limitada. Aquelas que dependem de complementação de norma infraconstitucional para que se tornem exeqüíveis. Abrangem as normas declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e as declaratórias de princípios programáticos. As primeiras estabelecem o esquema geral de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos públicos, para que o legislador ordinário as regulamente. Normas programáticas são as que fixam princípios, entidades e metas a serem alcançadas pelos órgãos do Estado. Exemplos: direito à saúde (CF, art. 196), à educação (CF, art.205), à cultura (CF, art. 215) e ao esporte (CF, art. 217). As normas constitucionais programáticas também possuem eficácia jurídica imediata, ainda que mínima, mesmo antes da edição de qualquer legislação complementar, eis que: a) revogam a legislação ordinária que seja contrária aos princípios por elas estabelecidos; b)evitam a edição de leis contendo dispositivos contrários ao mandamento constitucional; e c) institui um dever legislativo para os poderes constituídos, que podem incidir em inconstitucionalidade por omissão caso não elaborem a regulamentação infraconstitucional que possibilite o cumprimento do preceito constitucional.